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Com lixo eletrônico, artistas criam beleza e funcionalidade

20 nov 2011 - 15h02
(atualizado às 15h22)
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Quando o assunto é reutilizar materiais que são considerados lixo, muita gente pensa logo em reciclagem. Mas existe outra possibilidade que vem sendo cada vez mais explorada: o reúso. Chamado também de upcycle, implica em usar um material inicialmente criado para um fim e aplicá-lo em algo diferente. Por exemplo, em vez de reciclar placas de circuito de computadores velhos, recuperando metais e outros elementos, é possível usar esses componentes da sucata eletrônica para criar beleza, arte e funcionalidade.

Brasileira Naná Hayne faz quadros, esculturas e até acessórios com peças de sucata eletrônica
Brasileira Naná Hayne faz quadros, esculturas e até acessórios com peças de sucata eletrônica
Foto: Divulgação

É o que a artista plástica brasileira Naná Hayne faz há nove anos. Cabos, placas e outras peças são transformados em painéis, esculturas e acessórios como as tecnojoias. Em um estúdio de 4 m² em Mairiporã, cidade a 40 km de São Paulo, Naná cria seus trabalhos a partir da matéria-prima sucata eletrônica. "Não penso inicialmente que preciso disso ou daquilo, eu primeiro olho o que tenho e penso no que vou criar com o material", explicou em entrevista ao Terra.

Segundo ela, reutilizar materiais sempre fez parte da vida pessoal e artística, o que atribui aos ensinamentos da avó. As peças que usa na arte são encontradas no lixo ou recebidas de doações. "Vivo tendo que recusar coisas, porque não tenho muito espaço", conta Naná. E tudo começou de forma inusitada: ela precisava imprimir um currículo e a impressora não funcionava. Irritada, deu um puxão no cabo do aparelho, que se rompeu e deixou ver as cores que tinha por dentro. "Artista não pode ver cor", ri, "eu fiquei maravilhada, é fantástico!". "Pensei, 'como algo tão bonito pode ir para o lixo?'", relembra.

Com um estilete, ela começou a abrir o cabo, depois decidiu ver como era o computador por dentro. "Me deparei com a placa mãe, fiquei pensando que parecia uma cidade vista de cima, com os prédios, me apaixonei", conta. No mesmo momento, ela pegou uma tela que tinha em casa, massa acrílica e criou o painel Bocanet.

Depois que começou a usar componentes de eletrônicos em suas obras, a brasileira não largou mais os materiais. Decidiu abandonar a carreira na publicidade e dedicar-se à arte, antes um hobby, como atividade primeira. Mas não foi fácil, segundo ela. Inicialmente, vendia suas peças em feiras de artesanato. "Percebi que era difícil as pessoas comprarem painéis e esculturas, peças maiores, e foi aí que comecei com as tecnojoias, que são pequenas e podem ser vendidas por um preço mais acessível", conta. Anéis, colares, brincos e outros acessórios são exibidos em feiras e na internet, no perfil do Facebook e no blog da artista (nanahaynearte.blogspot.com).

"Meu trabalho é conceitual, não é uma solução para o problema da sucata eletrônica", pontua Naná. Ela lembra que quando começou a usar os componentes, foi pesquisar sobre sua toxidade e sobre os perigos de manusear ou de descartar incorretamente os eletros. "A evolução da tecnologia leva a uma obsolescência muito rápida, e isso não vai mudar, assim como ninguém vai ouvir palestras chatas sobre a importância de jogar os equipamentos no lixo certo", opina.

Segundo ela, os jovens que veem seu trabalho sempre identificam os componentes de computadores. "Todos eles já abriram uma máquina pelo menos uma vez na vida", diz. Para esse público, a artista acredita que a arte é um caminho mais interessante para a educação ambiental. "Funciona sem que você precise explicar: sei que todo o jovem que vê meu trabalho, quando for descartar o celular, vai pensar 'poxa, tem aquela mulher que fazia arte com isso', ou no mínimo vai lembrar que alguém pode fazer um uso e então é melhor não jogar no lixo comum", afirma.

A artista ministra cursos e workshops, mas para além da sua iniciativa pessoal, acredita no poder da arte para a conscientização. "Eu até já apresentei em Brasília uma proposta de eu dar oficinas para os professores e eles ensinarem os alunos, nas aulas de artes mesmo", revela.

Pelo mundo

Além da brasileira, muitos outros artistas, em diferentes países, também fazem arte a partir de peças eletrônicas. Alguns têm preferência por componentes específicos, como o cubano Steven Rodrig, que trabalha com placas de circuito. A ideia surgiu quando o artista estudava Aviação, em Havana, e consertava equipamentos eletrônicos. Hoje, ele usa as partes para criar "formas de vida orgânica, em que as placas acabam se tornando parte da 'pele' e ajudando a moldar o sentido" das esculturas, como explica em seu site oficial (www.pcbcreations.com).

As obras de Rodrig, além de representarem animais, plantas e outros seres vivos, também expressam o desejo do artista de imprimir "vida orgânica" aos objetos a partir de seus títulos. Uma peça em formato de sutiã, por exemplo, chama-se Supporting Her Data (apoiando as informações da moça, em tradução livre).

Outro que escolhe componentes específicos para suas obras é Doug Powell. Ele criou a Arte Duzzle - o nome mistura sua inicial com a palavra puzzle, quebra-cabeças em inglês - e utiliza, em uma nova série de trabalhos, teclas de computadores velhos. O quadro que retrata o ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, por exemplo, precisou de 4.081 dessas pequenas peças de teclado para ser composto.

Parece muito? Em outra obra, uma nave espacial, foram 5.951 teclas, num trabalho que durou mais de 190 horas, segundo relata em seu site oficial (www.duzzleart.com). O quadro mede 1,21 m de largura e 1,83 m de altura, e tem 14 palavras "escondidas" na sua composição. A peça foi comprada pelo museu Ripley's Believe it or Not.

A coleção do Ripley's ainda inclui outro artista que encontra a matéria-prima de sua criatividade na sucata eletrônica: a obra Fembot, escultura em forma de corpo de mulher feita com peças de computador, assinada por Gabriel Dishaw.

Ele começou ainda na adolescência, utilizando metais e eletros jogados fora. Sua Junk Art (arte de lixo, em tradução livre) transforma objetos indesejados em peças como o tênis Blazer Pentium, imitação de um calçado comum nos mínimos detalhes.

"Começo cada escultura me perguntando o que posso fazer com essas peças inúteis de metal que encontro e com objetos insignificativos para criar algo que todo mundo entenda", resume Dishaw em seu site oficial (www.gabrieldishaw.com).

Fonte: Terra
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