Livros mostram dois lados da revolução digital
Há problema em os fãs baixarem música gratuitamente da internet? O YouTube deve mesmo exibir vídeos de programas de TV quando quem os sobe para o site não tem controle sobre os direitos autorais? O Google e outros sites agregadores de notícias deveriam pagar a jornais, revistas e outros criadores de conteúdo uma taxa pelos links que exibem e levam a seus sites? Os músicos que querem usar samples e remixar trabalhos alheios precisam de permissão do artista original, e devem pagar por isso?
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Se tudo é grátis na internet, quem financiará gravações de música que requerem dezenas de músicos e envolvem custos elevados de produção? Quem vai pagar pelas sucursais de notícias em Bagdá e Cabul, e financiar o desenvolvimento das capacidades de investigação e texto necessárias a revelar maquinações do governo e de empresas contra os cidadãos? Como os romancistas ganharão a vida ¿ e protegerão sua visão artística - se, como sugerem alguns luminares da mídia digital, todos os textos devem ser distribuídos gratuitamente online para aproveitamento por terceiros em mash-ups?
Questões como essas se tornam mais e mais frequentes à medida que a nova e a velha mídia entram em choque no ciberespaço, e os problemas de direitos autorais se tornaram assunto de debates ferozes. Dois novos livros oferecem pontos se vista completamente opostos sobre esses argumentos.
Em Ripped, Greg Kot, crítico de música do jornal Chicago Tribune desde 1990, alega que essas práticas aumentaram o poder dos consumidores de música e oferecem aos músicos "mais oportunidades de serem ouvidos". "No mundo de que falo, os músicos menos conhecidos encontram mais facilidade para encontrar e manter uma audiência dedicada, e um ecossistema musical formado por milhares de microculturas começa a emergir", escreve Kot. Já em Digital Barbarism, o romancista e ocasional jornalista político Mark Helprin argumenta que "os direitos autorais são importantes porque representam uma das garantias do direito de autoria, e os direitos de autoria são importantes porque sem eles a voz individual afundaria em uma massa indistinta e instantaneamente maleável".
O problema de ambos os livros é que seus autores não conseguem levar em conta os argumentos opostos aos que defendem. Kot, que escreve em estilo envolvente mas circunstancial, consegue mostrar com agilidade a maneira pela qual a internet beneficiou a carreira de alguns músicos, e tenta defender a posição de que "a história da música envolve muitos 'empréstimos' criativos como esses", e que "exigir que cada trecho de música protegido por direito autoral, não importa sua duração ou seu reaproveitamento contextual", seja licenciado antes que possa ser usado em samplings representaria um golpe para o modo de produção da música hip-hop.
Mas Kot menciona apenas de passagem os efeitos adversos que o download gratuito exerceu sobre os músicos, e opta por destacar de maneira muito seletiva alguns poucos cantores e grupos que conquistaram audiência em modo viral na web (Death Cab for Cutie, Conor Oberst e Lily Allen) ou desenvolveram estratégias de internet inovadoras, como o Radiohead e Trent Raznor.
Quanto a Helprin, ele apresenta argumentos persuasivos sobre a importância ¿ e de fato a necessidade - de proteção aos direitos autorais dos escritores: a maneira pela qual a propriedade intelectual, da mesma forma que ativos mais concretos como dinheiro ou imóveis, merece ser protegida contra a roubos; a presunção do movimento dos "creative commons" de esperar que "os frutos do trabalho alheio" sejam distribuídos de graça; a forma pela qual os argumentos em defesa de autoria coletiva e "wikis" colaborativos representam um caminho perigoso que pode conduzir não só à Morte do Autor como a um declínio do conceito da responsabilidade individual.
Helprin aponta astutamente que a desinformação tão comum na web é capaz de produzir "um jogo de telefone sem fio em alta velocidade envolvendo milhares (ou dezenas ou centenas de milhares) de participantes, no qual a responsabilidade para com a verdade é considerada satisfeita caso uma dessas pessoas tenha lido em algum lugar algo que afirma coisa parecida àquilo que agora será ainda mais distorcido". E ele aponta para o fato de que "boa parte da agitação contra" os direitos autorais deriva da idéia de que "os direitos autorais sobre o software sufocam a inovação", quando na verdade o software difere muito de obras literárias e "está muito próximo em todos os aspectos de algo que requerer patente" do que de uma obra merecedora de proteção de direitos autorais.
Infelizmente para os leitores e para aqueles que compartilham das opiniões de Helprin sobre a santidade dos direitos autorais, ele oferece esses argumentos em um texto pomposo, ranheta, repleto de desdém e de sarcásticos ataques pessoais muito parecidos com o estilo utilizado pelos blogueiros que afirma detestar.
Para cada ponto persuasivo que expõe, Helprin prejudica sua causa com um ataque gratuito e baixo aos seus oponentes, uma generalização absurda ou uma digressão pretensiosa que nada faz por esclarecer sua tese. Os ataques dele à pirataria digital e à preguiça intelectual, por exemplo, repetidamente se dissolvem em diatribes mal temperadas contra virtualmente todos os aspectos da cultura jovem e da era da internet. Ele assevera que "o abandono da gramática, das maiúsculas, da pontuação, da ortografia, etc., e sua substituição por nada ou por pictogramas idiotas e inexpressivos, gírias e palavrões, na verdade muitas vezes não acontece por escolha, mas sim como consequência de um sistema educacional decadente e disfuncional".
Em outro capítulo, ele clama contra "idiotas rancorosos que usam bonés com a aba para trás e calças caídas; nerds que adoram comida ruim e mal saem à luz do dia; malandros pretensiosos que querem que todos usemos meias de bambu para o mundo não acabar; homens que têm tatuagens de lagartas que vão do umbigo à nuca; bestalhões bebedores de cerveja que pagam para ver carros correndo em círculos por oito horas sem parar; e toda uma raça de fêmeas, agora chegando à meia-idade, que falam em idioma de esquilo e jamais fazem uma afirmação sem, tipo, um ponto de interrogação no fim?"
Essas diatribes absurdas corroem a credibilidade de Helprin e fazem com que pareça um inimigo ranzinza da modernidade, e infelizmente desviam a atenção de alguns argumentos valiosos que apresenta sobre a importância dos direitos autorais. Os leitores interessados no assunto se sairiam melhor com o inteligente e perspicaz The Cult of Amateur, que Andrew Keen publicou em 2007, de preferência ao manifesto intolerante e abrutalhado de Helprin.
Ripped: how the wired generation revolutionized music
Autor: Greg Kot
262 áginas, Editora Scribner
Preço sugerido: US$ 25
Digital Barbarism: a writer's manifesto
Autor: Mark Helprin
232 páginas, Editora Harper
Preço sugerido: US$ 24,99
Tradução: Paulo Migliacci ME