Wikileaks mostra como é difícil manter segredo no século 21
Peter Apps
29 nov2010 - 12h02
(atualizado às 13h43)
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Os telegramas diplomáticos divulgados pelo site WikiLeaks até agora podem causar constrangimento a diplomatas dos Estados Unidos, mas é pouco provável que destruam qualquer relacionamento internacional. A lição principal a tirar parece ser que a era da informática tornou fácil roubar volumes imensos de dados e fez com que seja mais difícil conservar segredos.
Segundo os documentos divulgados pelo Wikileaks, um conselheiro presidencial francês, Jean-David Lévitte, disse a um vice-secretário americano, Philip Gordon, que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está "louco" e que até mesmo o Brasil não podia apoiá-lo
Foto: AFP
Os EUA e outros governos vêm procurando maximizar os prejuízos diplomáticos que serão causados pela divulgação de cerca de 250 mil telegramas, detalhes dos quais começaram a ser publicados por jornais ocidentais no domingo. Os telegramas, alguns divulgados por inteiro e outros apenas parcialmente, revelam opiniões e informações confidenciais, em muitos casos pouco elogiosas, de diplomatas norte-americanos seniores baseados no exterior. São materiais que normalmente teriam sido mantidos confidenciais por décadas.
Especialistas e ex-funcionários governamentais estão divididos quanto ao impacto. Falando antes da divulgação dos documentos, o chanceler italiano Franco Frattini disse temer que a publicação será "o 11 de setembro da diplomacia", que "jogará por terra a confiança entre Estados". Outros se mostraram bem mais otimistas e acham que os diplomatas continuarão com sua tradição de cortesia em público e franqueza brutal nos relatórios enviados a seus governos.
"Isto não vai prejudicar a franqueza dos diplomatas", disse sir Christopher Meyer, ex-embaixador britânico em Washington. "Mas as pessoas vão se preocupar com a segurança de arquivos e comunicações eletrônicos. Teria sido impossível roubar documentos em papel em volume tão grande."
No caso do vazamento mais recente, assim como a divulgação de anos de registros militares dos EUA sobre os conflitos do Iraque e Afeganistão, ocorrida alguns meses atrás, os telegramas parecem ter sido obtidos por uma pessoa apenas. O soldado raso do exército norte-americano Bradley Manning foi acusado de vazar informações sigilosas e se encontra em prisão militar.
Prejudicando a diplomacia? "O responsável por este vazamento deveria ser fuzilado, e eu me ofereceria para puxar o gatilho", disse Roger Cressey, ex-funcionário de contraterrorismo e ciber-segurança dos EUA, descrevendo o vazamento como "devastador". "A essência de nossa política estrangeira é nossa capacidade de dialogar direta e honestamente com nossas contrapartes internacionais e manter essas conversas longe de domínio público. Esse vazamento maciço coloca essa exigência básica da diplomacia sob risco no futuro."
Cressey menciona as relações delicadas dos EUA com Arábia Saudita e Afeganistão, ambos países chaves na estratégia norte-americana contra a militância islâmica. Os telegramas incluem críticas aos dois países e detalhes de conversas com seus principais representantes.
Consta que alguns líderes ocidentais teriam sido criticados também, incluindo o primeiro-ministro britânico David Cameron. Angela Merkel, a chanceler da Alemanha, é descrita como sendo avessa a riscos e "raramente criativa".
"É um sinal de que na era da informação, é muito difícil manter qualquer coisa secreta", disse o professor Michael Cox, do instituto britânico de estudos Chatham House. "Mas duvido que isto vá causar o tipo de abalo sísmico nas relações internacionais do qual alguns governos vêm falando. Os diplomatas sempre disseram grosserias uns sobre os outros em particular, e todo o mundo sempre soube disso."
E algumas das pessoas que deveriam mais estar cientes dos riscos da era da informação já sofreram danos. No ano passado, especialistas em segurança ficaram chocados depois que a esposa do novo chefe do serviço secreto britânico MI6 publicou fotos da família e detalhes no Facebook.
Segundo Cox, os beneficiários reais do vazamento dos documentos no WikiLeaks são historiadores, acadêmicos e estudantes de relações internacionais que agora têm um "grande tesouro" de evidência primária para pesquisar. O volume de dados é tão vasto que detalhes dos documentos poderão ser extraídos durante os próximos anos.
Mas segundo especialistas, as principais informações continuam secretas, transmitidas por canais mais seguros e reservadas para setores mais exclusivos de serviços de inteligência. "Os governos têm tendência de manter a maior quantidade possível de informação sob sigilo, não importando se é necessário ou não", afirma Cox. "A informação realmente secreta, eu diria, ainda está bem guardada e provavelmente não vai acabar parando no WikiLeaks."
Segundo os documentos divulgados pelo Wikileaks, um conselheiro presidencial francês, Jean-David Lévitte, disse a um vice-secretário americano, Philip Gordon, que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está "louco" e que até mesmo o Brasil não podia apoiá-lo
Foto: AFP
De acordo com os relatórios divulgados pelo Wikileaks, a embaixada americana em Moscou disse que o presidente russo, Dmitri Medvedev (dir.), "é o Robin do Batman, Putin" - apesar de ser oficialmente o chefe de Estado e chefiar o primeiro-ministro
Foto: AFP
A embaixada dos Estados Unidos em Paris acredita, segundo os documentos revelados pelo Wikileaks, que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, é "suscetível e autoritário", destacando suas críticas a colaboradores
Foto: AFP
O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, foi descrito por um diplomata como "irresponsável, vão e pouco eficaz como líder europeu moderno", de acordo com o Wikileaks; outro documento o descreve como "frágil física e politicamente", que não descansa apropriadamente por causa das festas que dá até altas horas da madrugada
Foto: AFP
Um documento divulgado pelo Wikileaks considera a chanceler alemã, Angela Merkel, "contrária à tomada de riscos e raramente criativa". Seu ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, teria uma "personalidade exuberante", mas pouco conhecimento de política externa
Foto: AFP
Segundo relatórios divulgados pelo Wikileaks, um documento descreve o presidente afegão, Hamid Karzai, como "extremamente frágil" e passível de acreditar em teorias conspiratórias; Karzai mantém uma relação difícil com o presidente americano, Barack Obama
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Diplomatas americanos acusam Ahmed Wali Karzai, irmão do presidente afegão, Hamid Karzai, de "corrupto e envolvido no tráfico de drogas", segundo os documentos diplomáticos revelados pelo site WikiLeaks
Foto: AFP
Segundo documentos divulgados pelo Wikileaks, um cabo endereçado a diplomatas dos EUA emitido sob o nome da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pede que se coletem informações "biográficas e biométricas" de funcionários-chave da ONU - como o secretário-geral, Ban Ki-Moon
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Um dos documentos recebidos do site WikiLeaks diz que o Departamento de Estado americano pediu à embaixada em Buenos Aires informações sobre "o estado de saúde mental" da presidente argentina, Cristina Kirchner
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O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, é "elegante e charmoso", mas nunca cumpre as suas promessas, de acordo com um cabo de Cairo relatando um encontro com o presidente Hosni Mubarak, que acrescentou: "Eu disse isso a ele pessoalmente", segundo divulgou o Wikileaks
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Um texto divulgado pelo Wikileaks diz que o líder líbio, Muammar Kadafi, é "quase obsessivamente dependente de um pequeno núcleo de funcionários de confiança" e aparentemente não pode viajar se não o fizer acompanhado de uma "voluptuosa" enfermeira ucraniana
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O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, é tratado como "Hitler" em documentos divulgados pelo Wikileaks
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O presidente do Iêmen, o presidente Ali Abdullah Saleh, foi chamado de "entediado e impaciente" durante durante um encontro com John Brennan, assessor de segurança nacional de Barack Obama, segundo relatórios divulgados pelo Wikileaks
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Os cabos mostram a preocupação dos EUA com a presença de material radioativo em usinas nucleares do Paquistão, que Washington temia ser usado em ataques terroristas; a embaixadora dos EUA no Paquistão, Anne W. Patterson, diz que o país se recusa a aceitar uma visita de especialistas dos EUA
Foto: AFP
Zimbábue. Governado pela frágil aliança entre antigos rivais, o Zimbábue começa 2011 em meio a disputas eleitorais. De um lado está Robert Mugabe, que há tempos ocupa a presidência; de outro, Morgan Tsvangirai, o premiê e lider oposicionista. A coalização poderia acabar com um novo pleito, mas divergências emperram o avanço: Mugabe quer eleições para renovar toda a estrutura política, e Tsvangirai espera passar a votação de uma nova constituição
Foto: AFP
De acordo com relatórios, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, tentou repetidamente convencer os EUA a atacarem o Irã para pôr fim ao programa de armas nucleares iraniano, enquanto a China, por sua vez, direcionou ataques cibernéticos contra os EUA
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