PUBLICIDADE

O que Daniel Ellsberg faria com os Papéis do Pentágono hoje?

19 abr 2010 - 16h27
(atualizado às 17h48)
Compartilhar

Duas semanas atrás, o site de denúncias Wikileaks mostrou um vídeo sigiloso no qual um helicóptero de ataque norte-americano Apache matava 12 civis em Bagdá. A reação foi tão rápida e poderosa - uma versão editada das imagens foi assistida seis milhões de vezes no YouTube - que o episódio terminou resultando em muitas questões sobre a maneira pela qual esse tipo de material é distribuído e digerido, hoje em dia.

Daniel Ellsberg levou a público os Papéis do Pentágono
Daniel Ellsberg levou a público os Papéis do Pentágono
Foto: Ellsberg.net / Reprodução
» Siga o Terra Tecnologia no Twitter

Para expressar a questão de outra forma: se alguém, hoje, tivesse em mãos os "Papéis do Pentágono", ou seu equivalente moderno, será que a pessoa procuraria a imprensa, como Daniel Ellsberg fez quase 40 anos atrás, e esperaria que os documentos fossem analisados e publicados? Ou simplesmente os postaria online o mais rápido possível?

Ellsberg sabe como ele responderia.

"Na situação atual, eu não teria esperado tanto tempo", disse em entrevista na semana passada. "Teria digitalizado os documentos e os colocado na internet".

No começo de 1971, Ellsberg, que era analista na Rand Corp., uma organização de pesquisa, passou a um repórter do New York Times uma cópia de um relatório altamente sigiloso que questionava a conduta da guerra do Vietnã pelos líderes norte-americanos. Ellsberg esperou durante meses, conta, incerto de que os documentos, conhecidos como "Papéis do Pentágono", viessem a ser publicados pelo jornal.

Quando o governo Nixon recorreu à Justiça para impedir que o New York Times publicasse o texto na íntegra, Ellsberg entregou cópias ao Washington Post e outros jornais.

Hoje diz, ele, operar de maneira independente tem algo de atrativo - sem estar sujeito ao controle de empresas, editores ou de tentativas governamentais de controlar a divulgação.

"O governo não se sentiria tentado a impedir a publicação, se eu tivesse postado o documento inteiro de uma vez", ele disse. "O que tivemos na época foi um duelo entre os jornais e o governo".

Ellsberg reconhece que algo poderia ter se perdido caso um site como o Wikileaks já existisse em 1971. "Não creio que a questão tivesse o mesmo impacto, então ou agora, quanto teve ao ser publicada por um jornal como o New York Times". A tentativa do governo de impedir a publicação - que só foi bloqueada definitivamente depois que o caso chegou à Suprema Corte - serviu como a melhor publicidade possível para a documentação.

Mas nem mesmo a disputa entre o governo e os jornais, ou entre diferentes jornais, se compara ao poder que a web oferece hoje em dia.

"A disputa entre eles teve uma função útil", diz Ellsberg. "Mas a Internet oferece o aspecto viral. Os materiais são copiados e atingem uma audiência mais ampla".

Ao longo de toda a sua reflexão estratégica sobre como despertar a atenção para o material que ele estava tentando expor, Ellsberg se assemelha bastante a Julian Assange, do Wikileaks, que não hesita em dizer que uma das principais obrigações de sua organização é "obter o máximo impacto político - a fim de fazer justiça ao nosso material".

Assange, fiel a esse compromisso, vem conduzindo uma turnê de divulgação por todo o país, que inclui passagem pelo programa The Colbert Report, no canal de cabo Comedy Central . Em entrevista em um café do Greenwich Village, na semana passada, Assange (sentado de frente para a porta, e carregando uma sacola com o logotipo do programa de Colbert) não demorou a explicar seu lugar no panorama da mídia.

Uma pessoa dotada das boas conexões de que Ellsberg dispunha, faria melhor hoje em recorrer a qualquer veículo de mídia de maior destaque, a fim de obter a maior divulgação possível - é o que ele faz, sempre que lhe oferecem um microfone -, mas ainda assim usar o Wikileaks como base para toda a coleção de documentos.

Ele também reconheceu que o dia 5 de abril, o dia em que o vídeo sobre o incidente com o helicóptero foi veiculado, foi selecionado com antecedência por ser um dia de poucas notícias (ainda que, por acaso, um acidente em uma mina na Virgínia Ocidental tenha acontecido naquele dia).Assange foi criticado por criar uma versão editada do vídeo (ele também divulgou no site a versão completa, sem cortes) e por concluiu que os envolvidos no acidente eram 'assassinos'.

O exército afirmou que os protocolos militares haviam sido seguidos no incidente, como concluiu a revisão do episódio conduzida na época. E o secretário da Defesa Robert Gates afirmou na semana passada que o vídeo do incidente era enganoso e estava sendo veiculado fora do contexto - o equivalente, segundo ele, a "assistir à guerra por um canudinho de refresco".

Mas além de questionar se o uso de força letal era necessária, Assange afirma que os vídeos são necessários para exibir as realidades da guerra aos norte-americanos.

"Algumas pessoas gostam de dizer que guerra é guerra, e que devemos esperar que esse tipo de baixa aconteça, em uma guerra", disse Assange.

"Mas esse tipo de argumento de que guerra é guerra se torna supérfluo a não ser que o público saiba o que é a guerra".

Uma das consequências da publicidade com relação ao vídeo é que as forças armadas talvez preservem menos imagens em vídeos e certamente não circulem com tamanha liberdade, disse Fred Burton, vice-presidente de informações nas Stratfor, uma agência mundial de informações, e autor de um estudo sobre suas experiências como agente federal de combate ao terrorismo.

"É uma discussão parecida com aquela que uma pessoa pode ter com os filhos", disse. "Os pais os aconselham a tomar cuidado com o que postam no Facebook porque isso pode prejudicá-los quando estiverem procurando emprego no futuro".

O momento não poderia ser pior, disse. "Em última análise, isso prejudica as operações de inteligência dos Estados Unidos", porque atrapalha os esforços para melhorar a comunicação entre as diferentes agências.

Para Ellsberg, o objetivo de vazamentos de informações é manter o público do país a par dos acontecimentos. "A internet existe para oferecer provas, quando um ato criminal insensato e terrivelmente errado está em preparo", ele disse.

Segundo Ellsberg, o Wikileaks procurou sua ajuda como consultor no passado, mas ele inicialmente era cético quanto à ideia. Parecia que isso facilitaria a vigilância das autoridades sobre as pessoas que divulgam informações sigilosas, oficial ou clandestinamente.

"Eu não achava que a tecnologia bastasse para impedir a intrusão das autoridades", disse. "Mas a raiva do governo com relação a esse vazamento sugere que o site vem conseguindo sucesso até o momento".

Ellsberg diz ter feito uma doação para o Wikileaks depois de assistir ao vídeo do ataque do helicóptero. Dada a vigilância que sofreu nos últimos 40 anos, ele duvida que a doação tenha atraído o interesse do governo.

"Tenho certeza de que não entrei em lista nova alguma por fazer uma doação", disse.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
Compartilhar
Publicidade