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Steve Jobs: conheça seis facetas do criador de um império

22 mai 2010 - 11h43
(atualizado em 24/5/2010 às 13h44)
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Klaus Brinkbaumer e Thomas Schulz
Der Spiegel

A história da Apple pode ser descrita em seis capítulos, como narrado por seis testemunhas, cada uma delas com um tempo passado na Apple desde seu início até a posição atual como uma das mais poderosas companhias do mundo.

No telão aparecem um jovem Jobs e o parceiro Wozniak, com quem ele criou a Apple
No telão aparecem um jovem Jobs e o parceiro Wozniak, com quem ele criou a Apple
Foto: Getty Images

I - O fundador
A história da Apple começa numa garagem de Los Altos, sul de San Francisco, Califórnia. O cenário é a garagem da família de Jobs, em 1976. Jobs e seu amigo Steve Wozniak consertam um protótipo de computador. Os dois jovens, usando camisetas e bermudas feitas com jeans cortados, sonham com uma grande coisa: um computador com o preço acessível a qualquer um.

Cada um tem um papel diferente neste sonho. Wozniak sonha em construir a máquina; Jobs sonha em vendê-la.

Até então computadores vão para as empresas ricas e a CIA, máquinas enormes que custam pelo menos US$ 100 mil. No entanto, Wozniak trabalha em um novo computador por 13 anos. Ele sabe que tem talento e gosto por tecnologia, mas não tem idéia do quão revolucionário seu talento será. Ele tem um vislumbre em junho de 1975, quando conecta dois cabos de seu protótipo de computador a uma tela e um teclado.

"Eu não me dei conta do quanto aquilo era significante", diz Wozniak entre risadas.

"Foi a primeira vez que alguém digitou uma letra em um teclado e a letra apareceu em um monitor de computador ao mesmo tempo", ele escreveu em sua autobiografia.

Em abril de 1976, os dois amigos fundaram a empresa Apple Computer. Wozniak ficou encarregado da tecnologia enquanto Jobs contratava os novos empregados - embora não muitos. Sempre havia mais trabalho do que empregados, ele diz. Jobs encontra um investidor e organiza as vendas de um produto para o qual não há mercado.

Em junho de 1977, o computador Apple II foi introduzido no mercado. Preço: US$ 1.298, incluído o teclado, mas não monitor. É o primeiro computador para pessoas comuns e se torna uma sensação mundial, com quase dois milhões vendidos. Um começo.

"Tudo o que fizemos virou ouro, nada realmente existia, tudo foi trazido ao mundo pela primeira vez", diz Wozniak. Mas ele deixa a Apple em 1985. "Steve via (o computador pessoal) como o futuro da companhia, eu via como a minha vida inteira. Eu não queria mais ser o centro das atenções".

II - O mágico

Em um mundo de interfaces de alta resolução e telas sensíveis ao toque, é fácil esquecer como um PC se parecia no início dos anos 80. Tipos verdes brilhavam em um fundo negro. Comandos precisavam ser digitados no teclado. Um PC era algo apenas para os fãs de tecnologia.

Em 1979, a Apple começou a trabalhar em um novo computador. Jobs assumiu logo cedo o comando do departamento de desenvolvimento; ele queria algo sem precedentes. O Macintosh devia refletir como os desenvolvedores veem o mundo. O Mac prova ser o primeiro PC produzido em massa com uma interface gráfica e janelas que podem ser abertas no alto umas das outras. E tem um mouse.

"Estava claro para nós que cada computador no mundo seria como aquele no futuro", disse Jobs anos depois.

Andy Hertzfeld, um integrante-chave da equipe de desenvolvimento, diz: "A Apple não quer fazer um produto que é o mais lucrativo financeiramente e o mais impressionante tecnicamente. Deve ser a grande coisa em si mesma, simplesmente perfeição".

O Mac foi apresentado em 22 de janeiro de 1984 em um comercial de 30 segundos durante o Super Bowl (a final do campeonato de futebol americano); o anúncio foi filmado pelo diretor de Hollywood Ridley Scott. Você vê um sem fim de empregados, um exército triste como no Big Brother do romance apocalíptico 1984, de George Orwell; o exército é a IBM, que na época era a rival da Apple. Uma jovem irrompe pela polícia armada. Ela destrói o Big Brother e liberta as massas escravizadas. A mulher é a Apple. Uma voz anuncia: "Em 24 de janeiro, a Apple Computer apresenta Macintosh. E você verá porque 1984 não será como 1984".

Quase 80 milhões de espectadores da TV estão fascinados e estupefatos. Especialistas em propaganda consideram o anúncio o melhor da história da indústria.

A Apple consegue aquilo que a maioria das grandes companhias apenas tenta: associar productos com emoções e envolvê-las com valores até que os produtos em si se tornam valores. A Apple seduz. Quem quer que compre um Mac é jovem, criativo e revolucionário, portanto cool. "Pense diferente" mais tarde se torna o slogan da Apple. E quem não quer pensar diferente?

III - O artista
A casa é como um computador da Apple, quente e úmida. No lado de fora, há oliveiras e palmeiras. Dentro, muros brancos, um grande piano, serviço de chá chinês, porcelana Meissen (marca alemã. A primeira porcelana produzida na Europa).

Hartmut Esslinger sabe falar alemão e inglês. Ele viveu na Califórnia durante décadas. Esslinger é também o maior designer do mundo. Ele fundou a Frog Design, em 1969, em uma garagem de Altensteig, na região da Floresta Negra alemã.

"Design é um pacote. Design é uma maneira de pensar, design pensa no produto por inteiro", Esslinger disse uma vez. "Design não é apenas como algo se parece e como se sente. Design é como algo funciona", Jobs disse alguns dias depois.

"Algumas vezes Steve ouvia algo, então ele apresentava como sua teoria", Esllinger diz hoje, rindo. Ele tem Jobs em grande consideração, especialmente sua audácia.

Jobs contratou Esslinger porque precisava de um design para uma interface gráfica, mas Esslinger acredita "que as pessoas às vezes ainda não sabem o que querem". Ele também acredita que "bom design deve encontrar o equilíbrio exato entre a provocação e a familiaridade, entre o absurdo e a monotonia". É por isso que ele sugeriu algo diferente para Jobs: computadores brancos.

"Califórnia branco", ele os batizou. "A indústria de computadores nunca entendeu que as pessoas desenvolvem uma ligação emocional com as coisas", disse. Naturalmente, Jobs também usou esta frase, palavra por palavra, numa conferência dias depois.

"Seja insanamente grande" - fora a ordem de Jobs. Enquanto o "povo Frog" (como era chamada a equipe da empresa de design Frog, responsável pelo formato ousado de alguns protótipos da Apple nos anos 80) construía protótipos, os artistas e engenheiros estavam em constante troca e Jobs permitia que eles os criassem. A Frog recebia US$ 200 mil por mês - um monte de dinheiro para algo que ninguém no conservador Silicon Valley (o Vale do Silício, na Califórnia, onde estão as sedes de algumas das maiores companhias de tecnologia americanas) levou a sério.

Vinte e cinco anos depois, designers e anunciantes reconhecem que não há esforço de cooperação maior do que a colaboração entre Esslinger e Jobs. "Entenda o que as pessoas precisam. Desenvolva coisas que tornam a vida mais fácil e adicione alegria. Este é o segredo da Apple", segundo Suze Barrett, diretora criativa da agência Scholz & Friends em Hamburgo (Alemanha). Enquanto outras empresas de computadores estavam comprometidas com a tecnologia, "a Apple se focou no que é compreensível e útil para as pessoas. Assim, os produtos da Apple foram um símbolo de um novo estilo de vida, o 'estilo de vida digital', em que o design desempenha um papel fundamental".

Dispositivos da Apple parecem simples e funcionais. Essa idéia foi realmente roubada, de calculadoras de bolso Braun para citar um produto, mas os produtos Apple continuam o que os publicitários chamam de "produtos que você deve ter".

O "i" que adorna projetos essenciais da Apple era "internet" e, hoje, significa "I" ("eu"). É sobre a autorrealização ou a ilusão dela. "Algo deve ser inútil se é arte? Não pode a arte ser algo útil?", pergunta Esslinger, hoje um professor em Viena e que escreve livros com frases como "ver para crer, crer para ver".

A Apple apresentou o primeiro computador Esslinger, o Apple IIc, no escritório de Jobs em Cupertino, Califórnia - 25 modelos, todos brancos. Jobs não parecia satisfeito. "Espero que funcione", disse ele. "Eu não estou convencido". No primeiro dia a Apple vendeu 50 mil unidades. Isso foi em 24 de abril de 1984. Hoje, o Apple IIc faz parte do acervo do Whitney Museum of American Art, em Nova York.

IV - O inimigo

Jobs nunca foi infalível, mas ele é adorado. Ele nem foi sempre o melhor "CEO do mundo", como o chefe do Google, Eric Schmidt, o chama. Por um tempo ele nem sequer foi um CEO.

Em 1980, após a oferta inicial de ações da Apple ao público e o início da expansão da empresa, seu conselho de administração quer instalar um gestor experiente no comando, alguém que possa supervisionar o difícil Jobs e mostrar-lhe como uma empresa global pode ser dirigida: respeitavelmente.

Jobs não quer briga, mas quer ter uma palavra na seleção, e ele só quer um homem: John Sculley, presidente da Pepsi-Cola, um especialista em marketing que desconhece o negócio de computadores. Ele corteja Sculley por 18 meses, então finalmente pergunta: "Você quer passar o resto de sua vida vendendo água com açúcar ou você quer uma chance de mudar o mundo?"

Sculley aceita. E Jobs gosta de Sculley: eles fazem caminhadas juntos nas montanhas do norte da Califórnia. A imprensa os chama de "Dupla Dinâmica". Mas depois de dois anos, Sculley e Jobs se desentendem. As coisas tinham evoluído para um confronto: quem tem o poder, o fundador ou o gerente? O que tem visão ou o mais respeitável? O conselho decide em favor de Sculley. No outono de 1985, Jobs deixa a Apple - sua criação, a sua vida.

Sculley fica. Por mais oito anos.

"Eu acho que foi um grande erro me colocarem (no emprego) de CEO", diz Sculley no início de 2010. Ele está sentado numa sólida mesa de conferências na cidade de Nova York, com uma janela para o Central Park por trás dele. "O conselho de administração devia ter mantido Steve no comando".

Por que ele diria algo assim? Que CEO rebaixa suas realizações? Devia ele falar como a companhia cresceu sob seu comando de um valor de US$ 600 milhões para US$ 8 bilhões? "Ele deviam ter deixado o marketing para mim, uma posição no conselho ou algo assim", diz Sculley, "então Steve e eu nunca teríamos nos separado".

Jobs nunca mais falou com Sculley. "Eu acredito que ele nunca vai me perdoar e eu o entendo", diz Sculley, que parece cansado. Aos 71, é sócio de uma firma de investimentos privados, com uma casa em Palm Beach, Flórida, mas depois de todos estes anos ele ainda sofre pela falta de afeto de Jobs.

Infelizmente, ele pessoalmente não teve talento suficiente para "construir produtos ou olhar para o futuro como Steve Jobs", diz Sculley. Em 1993, ele teve de deixar a Apple. A companhia estava em um beco sem saída, vazia de idéias e sem uma liderança e, portanto, destinada a perder para a nova estrela do mundo dos computadores: a Microsoft.

"Felizmente, Steve está lá de novo", diz Sculley.

O que o torna um gênio, diz Sculley, é a capacidade de Jobs de reconhecer, 20 anos antes de qualquer um, o que será o padrão em um futuro distante. "E Steve pode fazer isso, ele provou com o iPod, ele provou com o iPhone, por que ele não faria agora em outras áreas?".

V - A mulher que entende o homem

"Steve é como todos os gênios", diz Pamela Kerwin. "Quem disse que Mozart foi uma boa pessoa?" Ela ri. E então diz: "Sim, ele pode ser duro e insolente, mas é um visionário. E outros gestores querem dinheiro e poder, mas ele é impulsionado pela grande ideia. Ele tem a capacidade de dar à luz tecnologia excelente, e nunca se preocupa com pequenos passos - ele quer fazer o que for para ter uma influência enorme no mundo inteiro".

Kerwin é uma das poucas mulheres no centro do mundo de Jobs. Ela também é uma das poucas pessoas em seu mundo capaz de ter um olhar reflexivo sobre ele. Ela pode dizer o que pensa de Jobs sem cair em um estado de choque, sem temer a perda de sua afeição.

As coisas são bastante infantis no império da Apple. Às vezes, uma mulher como Kerwin parece ser o único adulto lá.

Talvez porque ela nunca esteve com a Apple. Kerwin foi da Pixar. Jobs assumiu o seu negócio em 1986 e, em seguida, as coisa mudaram. Talvez porque ela era professora na costa leste - uma especialista em ensino digital - antes de chegar ao Vale do Silício, em 1989. Ela é loura, usa óculos e uma camiseta preta. Ela senta-se no escritório do porão de sua casa em Mill Valley, na Califórnia.

A Pixar, fundada no final dos anos 70 como um ramo do império da George Lucas Filmes, ainda não era um dos estúdios mais bem sucedidos da história do cinema, mas de várias centenas de empresas iniciantes na Califórnia. Havia uma idéia, um punhado de gente talentosa, festas e muito trabalho. Os bons e velhos tempos. Havia essa incerteza: será que vamos sobreviver?

Não é fácil criar filmes 3-D. A Pixar poderia fazê-lo, Jobs viu. "Naquela época, todos do Vale do Silício disseram que ele iria afundar o seu dinheiro na Pixar. Ele viu algo que mais ninguém viu. Eu acho que você poderia chamar isso de coragem", diz Kerwin. Jobs deu a Lucas US$ 5 milhões, pôs mais US$ 5 milhões na empresa e uma jornada começou para os jovens da Pixar.

Jobs contratou tipos criativos, mas sobretudo pessoas "com o lado esquerdo do cérebro desenvolvido", diz Kerwin. Jobs realmente não entendia como o software funcionava. "Quando o material ia para ele, ele não entendia o que estávamos fazendo", diz Kerwin. "Isso provavelmente nos protegeu dele". Certamente ele gritou. Sim, ele puniu. Ele foi mal-humorado. Mas ele deixou o animador e diretor John Lasseter, a principal força criativa da Pixar, cuidar das coisas.

Jobs vendeu serviços da Pixar para a Disney. "Ele pode nadar com os tubarões, nós não podíamos", diz Kerwin. "Steve queria US$ 10 milhões para tudo o que tinha para vender, sempre US$ 10 milhões, mesmo que não valesse US$ 10 milhões." Ele destruiu meses de trabalho. Nas negociações com o povo da Intel, Jobs estava de mau humor pouco antes da assinatura. Jobs praguejou, a Intel estava chateada.

Kerwin diz: "Ele não é especialmente bom em fazer negócios com outros gestores importantes porque então é ego contra o ego, e Steve nunca recua, nem sequer um passo. Mas quando ele está vendendo produtos para clientes em jeans e uma camiseta preta, como um messias nestas apresentações, ele é um showman brilhante. Nesse caso, um grande ego não interfere.

Um mestre de cerimônias precisa de um ego grande".

Ele mudou a direção da Pixar: imagens animadas transformadas em curtas-metragens, que se transformaram em filmes de cinema. O roteiro de Toy Story foi escrito, Jobs preparou o IPO. "Naquela época, todos do Vale do Silício disseram que isso nunca daria certo, uma empresa que ainda não tinha feito um único dólar de lucro estava indo para a bolsa de valores", diz Kerwin. Toy Story foi lançado. Muitos anos depois, foi a vez de Procurando Nemo. Aqueles na Pixar que fizeram a viagem com Jobs tornaram-se milionários.

E Jobs aprendeu. Ele absorveu, separou as coisas, colocou-as juntas novamente, pensou mais uma vez. Retornou à Apple com as idéias da Pixar. Imagens animadas. Formas de comunicação ligadas. Mídia de massa.

Em agosto de 1998, o iMac é introduzido no mercado. A resposta é enorme, os números de vendas são grandes. Mas muito mais importante, os fãs estão enlouquecidos. O culto Apple vive novamente. O slogan "pense diferente" transforma os clientes da Apple em aliados, rebeldes contra o sistema, contra a Microsoft, lutando pela individualidade pessoal.

Essa é a imagem, mas é mentira. Jobs já não é um rebelde: sua empresa é sobre monopólio, posição dominante no mercado. O próximo governante sempre segue a revolução.

Jobs não é exatamente uma pessoa gentil, de acordo com todos os relatos. Ele odeia Bill Gates. Jobs estava doente, talvez ele ainda esteja, e ele odeia seus próprios empregados jovens e saudáveis - em todo caso é o que pessoas jovens e saudáveis da Apple dizem.

Seus pais naturais são o cientista político sírio Abdulfattah Jandali e a americana Joanne Schieble. Paul e Clara Jobs adotaram-no. Ele cresceu na Califórnia, em Mountain View e Los Altos. Steven Paul Jobs tinha cerca de 30 anos, quando soube a verdade. Ele começou a procurar sua irmã natural, Mona. Encontrou-a e se tornaram amigos. Então Mona escreveu A Regular Guy (Um cara normal), um romance. Ela falou de um multimilionário que "estava muito ocupado para usar a descarga", que deu casas às ex-namoradas para que pudessem manter silêncio, um narciso que exigia que suas amantes fossem virgens. Steve? Nunca foi negado.

O Jobs verdadeiro era fã da cantora folk Joan Baez. Ele disse que valorizava "mulheres jovens, superinteligentes e artísticas". Em 1977, Jobs teve uma filha, Lisa, com a então namorada, Chris-Ann Brennan. Mas eles se separaram e ele então se recusou a reconhecer a paternidade.

Chris e Lisa Ann viveram confortavelmente até Jobs ser levado aos tribunais pelo Estado para reconhecimento da paternidade. Em um documento assinado, Jobs afirmou que ele era estéril e infértil e, portanto, fisicamente incapaz de gerar uma criança. O tribunal obrigou-o a um exame de sangue, que determinou que ele era o pai. Ainda assim, se recusou a pagar pensão. Finalmente Jobs faz um acordo para o pagamento de US$ 385.

Em 1991 ele se casou com Laurene Powell, o casal agora tem três filhos.

Uma vida equilibrada?

Pode um homem com essa carreira por trás de si ter dúvidas?

Cerca de 10 anos atrás, a Apple valia US$ 5 bilhões e hoje vale mais de US $ 240 bilhões. Em 2006, a Disney pagou US$ 7,4 bilhões em ações para adquirir a Pixar.

VI - Os soldados

Ninguém na Apple quer encontrar Jobs no elevador porque então ele vai começar a fazer perguntas: "Quem é você? No que você está trabalhando? Por que precisamos de você?" E quando sair, ele vai dizer: "Não, nós não precisamos mais de você".

Algumas equipes trabalham sempre no centro das atenções - em outras palavras, sob os olhos de Jobs. Estas equipes conseguem todos os recursos e dinheiro, todos os privilégios do mundo. Mas os holofotes vagam pelo campus. Isso torna animada a política da empresa, muita conversa. Todo mundo quer a atenção de alguém e todos querem a atenção de Jobs. Mas Jobs quer resultados, nada além de resultados interessam realmente a ele. Os melhores gerentes, os verdadeiros heróis da Apple, são aqueles com quem Jobs grita com mais frequência - e que, apesar disso, falam calmamente com seus subordinados.

Um funcionário que esteve lá por um longo tempo - até ser demitido - é David Sobotta. Ele diz que tal incerteza é "inerente ao sistema". Sobotta vendeu o que foi desenvolvido em Cupertino. O Exército, a Nasa e universidades americanas foram seus clientes. Hoje ele vive em Roanoke, Virgínia, no alto das montanhas. "Ele se estende por toda a empresa", diz Sobotta: "Ninguém quer decidir nada porque uma decisão significa que Steve pode ficar louco. Há um monte de carne morta na Apple".

"Carne morta" é um termo cínico para aquelas pessoas que poderiam muito bem estar desempregadas e ninguém notaria.

Sobotta diz já foi diferente; aqueles foram os anos sem Jobs. "Foram as viagens de ouro das vendas da Apple" - viagens para Paris, Sydney, Viena, para os 10% superiores, os vendedores mais bem sucedidos. Com o novo líder, tudo ficou diferente. Melhor por um lado, mas por outro o novo líder novamente se chamava Steve Jobs. Sobotta voou para Cupertino com generais e professores, mas nunca garantiu um encontro com Jobs, nunca recebeu uma promessa de que ele iria realmente aparecer em pessoa - sempre apenas uma sugestão. "Mas os generais voaram, todos queriam estar perto de Steve", segundo Sobotta. E às vezes Jobs apareceu "de shorts e sandálias, barba por fazer, e ele nunca respondia perguntas. Ele sempre falava apenas sobre os assuntos que queria falar. Mas a sala o ouvia. Sempre", diz Sobotta.

A Apple é uma empresa de reuniões. Eles têm reuniões constantemente, mas nada é decidido. Em seguida, Jobs vai para casa. Ele vai pensar. Ele aprendeu a confiar nos seus instintos; por anos ele tem ouvido que é um gênio. Por esse motivo ele vai tomar banho de manhã e enterrar os projetos que aprovou ontem. "Ninguém sabe o que vai acontecer até o momento em que Steve sobe ao palco e se dirige aos fiéis", diz Sobotta.

Estes são os momentos de glória para o exército da Apple. Tudo diz respeito a estes momentos, para os quais, naturalmente, os soldados são bem pagos, ainda que não excepcionalmente bem; eles têm o salário acrescido de bônus e ações; eles dizem que o que conta são aqueles momentos fugazes na ribalta de Jobs.

Jobs raramente cita nomes nestas ocasiões. Ele simplesmente diz: "Esta é a equipe que desenvolveu o iPhone. Uma salva de palmas, por favor".

Eles se levantam. Eles se transformam. Jobs acena e aplaude. Isso é tudo que eles querem, esses cinco segundos, pelos quais trabalharam por três meses, 20 horas por dia.

A Apple poderia ter mais sucesso se as coisas fossem dirigidas de forma diferente? Com respeito, com a comunicação, como uma empresa moderna?

Desde que Jobs retornou à Apple, em 1997, o volume de negócios anual cresceu em espiral de um vultoso valor de US$ 7 bilhões para quase US$ 43 bilhões. O preço de cada ação subiu de US$ 5 para US$ 260. Em 2009, a Apple obteve um lucro de US$ 8,2 bilhões. Com 34 mil funcionários, significa um lucro sólido US$ 240 mil dólares por empregado.

Trinta e quatro anos depois de ter sido fundada, a Apple não é mais uma fabricante de computadores. Não é muito fácil dizer o que é a Apple e um pouco mais difícil adivinhar o que a Apple vai ser no futuro: um gigante da eletrônica? Um inventor de produtos de estilo de vida para a era digital?

O modo como a música é consumida, produzida e vendida hoje é diferente de há dez anos. Dezenas de milhares de canções cabem em um iPod - uma coleção completa de música no seu bolso, sempre pronta para ser tocada. As grandes empresas foram colocadas de joelhos por causa disso - por causa do iTunes. Uma vez que a Apple assumiu, a música deixou de ser vendida em quase qualquer lugar para ser através das lojas online.

O iPod virou um fenômeno, um "ícone cultural da mudança de vida", como (a revista) Newsweek escreveu três anos depois de o dispositivo aparecer. A Apple havia vendido três milhões de iPods naquele ponto. Nos últimos três anos, a empresa vendeu 160 milhões de unidades.

Agora, com o lançamento do iPad, editoras e empresas de mídia estão competindo para construir algo novo para o gadget da Apple. Elas querem oferecer os seus livros e revistas em formato eletrônico no iPad, um dispositivo que Jobs naturalmente chama de "mágico" e "revolucionário".

O iPad não será apenas um presente para revistas, empresas jornalísticas e rede de televisão. Eles têm grandes esperanças de atrair novos leitores e telespectadores e, acima de tudo, novas e intermináveis receitas. Todos esperam que o dinheiro possa ser ganho com produtos antigos, mesmo na era digital.

Jornais e revistas oferecem aplicativos para o iPad de suas edições impressas com os acréscimos semelhantes aos oferecidos em seus sites online: vídeos, gráficos interativos. A intenção é atrair os leitores a pagar pelas edições digitais, talvez mais do que pelas edições impressas.

Tudo isto, por sua vez, atrai os clientes de publicidade, já que podem tornar a publicidade mais viva e interativa, por exemplo, com vídeos incorporados. A revista Time está cobrando US$ 200 mil por um anúncio em sua primeira edição para o iPad.

Mas, naturalmente, Jobs sabe tudo isso - o que é a razão pela qual ele desenvolveu o iPad, em primeiro lugar. Jobs espera transformar vários ramos da indústria e vincular todos à Apple ao mesmo tempo. A Apple espera dizer como uma revista deve parecer para que possa ser lida no iPad e quanto dinheiro a editora irá cobrar por este serviço.

Um novo mercado dominado pela Apple não é melhor do que nenhum mercado, afinal?

Pode ser. Em todo caso os concorrentes de Jobs dizem que a posição dominante da Apple chegará ao fim com o iPad porque o mercado vai se tornar saturado com os produtos da empresa. A década da Apple chegará ao fim. Mas isso provavelmente não é o caso. Mais provavelmente a próxima década será de ainda mais sucesso para a empresa do que a anterior porque a Apple tem o mercado de entretenimento ao seu alcance. E a Apple está em constante crescimento, expandindo-se como sempre para outras áreas mais novas da vida moderna.

Também é possível que a empresa vá continuar assim por mais algum tempo e então, muito abruptamente, o iMundo entre em colapso. Para sempre, se Jobs pessoalmente colapsar e ficar claro que sua companhia não está preparada para a vida depois dele.

A primeira vez em que Jobs esteve ausente foi em 2004, devido ao câncer de pâncreas. Os médicos disseram que a operação iria salvá-lo e ele iria viver pelo menos mais dez anos. Mas Jobs hesitou. O papa da tecnologia não confia na medicina moderna. Jobs, um zen-budista e vegetariano, preferiu métodos alternativos. Uma dieta, os comprimidos que seu médico alternativo prescreveu. Jobs recusou a operação por nove meses e durante estes nove meses discutiu com o conselho de administração se tinha que informar os acionistas sobre a doença e métodos de tratamento.

Mas desde que a diretoria é composta de pessoas que reverenciam Jobs, eles não disseram nada.

Em 31 de julho de 2004, Jobs foi operado. No dia seguinte, escreveu um e-mail aos empregados: ele tivera uma doença potencialmente fatal, mas agora estava curado.

Cinco anos mais tarde, ele se ausentou novamente. Ele precisava de um fígado novo e, naturalmente, conseguiu um rapidamente. De "um jovem em seus 20 anos que morreu em um acidente de carro", segundo Jobs. Em meados de 2009, o governador voltou ao seu império agindo como se tudo estivesse como antes, o que, contudo, não era o caso.

"Parecia o final de Roma", diz uma pessoa que estava lá durante esses períodos. Antes de Jobs ficar afastado por muito tempo, estava claro que não havia nenhuma estrutura estável ou regras existentes: não para desenvolvimento do produtos, não para a comunicação. O polegar de Steve estava para cima ou para baixo? Essa era a única coisa que importava.

Mas agora "o imperador estava doente e todos os senadores estavam armando seus exércitos particulares e queriam poder", diz o ex-empregado. Houve atos de vingança: aquelas pessoas que tinham entrado pelas mãos de Jobs perderam seus empregos e foram excluídas de todas as discussões importantes. "Os produtos foram anunciados e retirados, outros foram desenvolvidos de forma precipitada e derrubados novamente. Tudo era política da empresa".

Jobs estava ausente e os funcionários da Apple, abalados.

Quando a empresa tiver de continuar sem Jobs, de acordo com Hertzfeld, o desenvolvedor do Macintosh, então será melhor se em primeiro lugar agir de acordo com um plano. As necessidades do cliente precisam ser levadas em conta. A Apple poderia reaprender coisas como a humildade. Depois de um tempo, no entanto, Hertzfeld também diz que "a direção para criar as melhores coisas possíveis iria faltar". E a Apple poderia se tornar uma empresa como milhares de outras.

O chefe geralmente não gosta de falar de si mesmo - em todo caso ele não diz nada sobre suas fraquezas. Em Stanford, no entanto, em um dia quente de junho de 2005, quando ele falou aos estudantes no estádio universitário, e fez um discurso que era como uma confissão, finalmente contou a sua terceira história: a história da vida e da morte.

Como um jovem, disse Jobs, ele encontrou uma citação: "Quando você vive cada dia como se fosse o último, você estará certo algum dia". Desde então, ele sempre se pergunta se está fazendo o que quer fazer no caso de hoje ser o último dia. Se a resposta for "não", muda o plano.

Ele engoliu em seco. Em seguida, Jobs disse a Stanford que há um ano, às 7h30 da manhã, ele estava no escritório do médico. O diagnóstico: câncer pancreático incurável. Ele ainda tinha de três a seis meses de vida. "Deixe seus assuntos pessoais em ordem", disseram os médicos.

"Eu vivi com o diagnóstico. Nessa mesma noite eu fiz uma biópsia ", disse Jobs.

Os médicos inseriram tubos, retiraram as células cancerosas, examinaram-nas. Uma operação provavelmente poderia curá-lo depois de tudo. Ele era uma rara exceção, disseram.

Existe uma moral? Há sempre uma moral. "O tempo de que vocês dispõem é limitado, e por isso não deveriam desperdiçá-lo vivendo a vida de outra pessoa. Não se deixem aprisionar por dogmas - isso significa viver sob os ditames do pensamento alheio. Não permitam que o ruído das outras vozes supere o sussurro de sua voz interior. E, acima de tudo, tenham a coragem de seguir seu coração e suas intuições, porque eles de alguma maneira já sabem o que vocês realmente desejam se tornar. Tudo mais é secundário".

E, finalmente, ele falou suas palavras de encerramento: "Continuem famintos. Continuem sonhadores".

(Tradução: Alexandre Rodrigues).

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