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Aos olhos dos soldados: "A primeira guerra no YouTube"

26 mai 2010 - 11h20
(atualizado às 12h14)
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Noam Cohen

Quando o WikiLeaks, um site de denúncias, lançou um vídeo sigiloso gravado em 2007 que mostrava a tripulação de um helicóptero norte-americano Apache matando 12 civis no Iraque, entre os quais dois jornalistas da agência de notícias Reuters, as imagens despertaram lembranças para Hayden Hewitt.

A familiaridade não era por se tratar de mais um "vídeo de Apache", milhares dos quais estão disponíveis no LiveLeak.com, site de vídeo que Hewitt ajudou a criar em 2006. Os vídeos de helicópteros Apache costumam ser tão parecidos quanto notas de um dólar, em termos de estilo: uma imagem aérea de uma cidade iraquiana capturada em "negativo" infravermelho, acompanhada pela conversa lacônica dos tripulantes.

Tudo costuma terminar com "um grupo de pessoas sendo mortas, em imagens gravadas por uma câmera FLIR", disse Hewitt, em referência ao equipamento infravermelho da FLIR Systems. Mas no caso específico em questão ele queria dizer que aquele exato vídeo lhe havia despertado lembranças - 38 minutos de imagens de voo sobre Bagdá, pontuadas por tiros que resultaram em massacre, o que inclui a morte dos dois jornalistas, cujas câmeras foram confundidas com armas.

"Nós estávamos tentando lembrar, determinar se houve algum problema que tenha resultado na retirada do vídeo", disse Hewitt da Inglaterra, na quinta-feira, em entrevista por telefone, para explicar por que o vídeo não estava disponível em seu site.

Diversos visitantes frequentes e confiáveis do LiveLeaks lembram de ter visto o vídeo no site, um ano atrás, ele contou. Depois de um dia de pesquisa, Hewitt reportou que não encontrou traços do vídeo original por trás do firewall do LiveLeaks, onde deveria estar. Talvez a ideia de que o vídeo do WikiLeaks já tenha vazado não passe de uma "lenda urbana", como ele admitiu.

Quem deseja ver os horrores da guerra não precisa procurar muito. Há grande número de sites que mostram a carnificina, e boa parte desse material é filmado, editado e enviado a sites por soldados que registraram suas experiências.

"Hoje existem muitos tipos de aparelhos de gravação, montados de diversas maneiras", disse Jennifer Terry, professora associada da Universidade da Califórnia em Irvine, que produziu um estudo sobre os vídeos militares do Iraque e Afeganistão para a "Vectors", uma revista multimídia. "A forma pela qual esses vídeos circulam na internet não tem precedentes, todos esses diferentes métodos de vazamento. É por isso que gosto de dizer que estamos vivendo a primeira guerra no YouTube".

A única mercadoria que continua bastante rara, porém, é o contexto. A internet está repleta de imagens das forças armadas norte-americanas no Iraque e Afeganistão. O que se pode encontrar em sites como YouTube e LiveLeak mostra a vida dos soldados na zona de guerra, do tédio ao mais frenético drama.

Do lado mais tolo temos um fenômeno do YouTube, uma versão de "Telephone", de Lady Gaga, por hirsutos soldados norte-americanos que servem no Afeganistão; o vídeo atraiu mais de cinco milhões de visitas. E há os vídeos de tiroteios e bombardeios mortíferos.

Mas mesmo o material violento postado pelos soldados costuma vir muito editado, dizem Hewitt e Terry, e se parece acima de tudo com um vídeo de música. Certas canções se tornaram acompanhamento básico para esse tipo de imagem, especialmente "Bodies", da banda de heavy metal Drowning Pool, com o refrão que diz "que os corpos caiam no chão, que os corpos caiam no chão".

Em resumo, afirma Terry em seu estudo, os vídeos gerados pelos soldados são "radicalmente privados de contexto". "Há uma qualidade polivalente no material - pode ser heróico, 'realista', um fetiche tecnológico", disse ela. "Não é algo que fale por si. Existem inúmeras maneiras de interpretar".

Uma câmera Flip pode bastar para exercitar o jornalismo cidadão, mas por que deveríamos esperar algo assim dos soldados que servem no Iraque e Afeganistão?

"O resumo é que as pessoas esquecem como esse pessoal é jovem", disse Tommy Blacha, roteirista de TV e antigo soldado que serviu na Alemanha nos anos 80. Para os telespectadores e os criadores dos vídeos, igualmente, disse ele, "existe uma sensação vibrante de que essa é a coisa mais ousada que se pode fazer".

Embora os soldados de sua época, na Alemanha, não tivessem como criar vídeos, eles costumavam se divertir com câmeras Polaroid. Blacha diz que recorda ter visto o vídeo do WikiLeaks um ano atrás no LiveLeak, mas que as imagens só se tornaram especiais por conta da história que as acompanha. "Há vídeos piores, em termos de imagens explícitas, mas ali temos a morte de um jornalista", disse.

Presumindo que o vídeo gravado em 2007 tenha mesmo sido exibido pelo LiveLeak em 2009, fica claro que não teve o impacto gerado pela versão mostrada no WikiLeaks. A mensagem, nesse primeiro vazamento, pode ter sido simplesmente a de que os Estados Unidos têm recursos poderosos para enfrentar seus inimigos.

"Esses vídeos têm forte impacto, mas é difícil dizer qual", afirmou Hewitt. "Algumas pessoas assistem e pensam que é grotesco, e não se conformam que nós ajamos assim. Outras assistem torcendo e comemorando as ações de nossos soldados".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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