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Cresce número de adultos coreanos viciados em internet

29 mai 2010 - 17h28
(atualizado às 20h35)
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Nenhum tinha emprego. Eles eram tímidos e nunca haviam saído com ninguém até se encontrarem em um bate-papo online em 2008. Eles se casaram, mas sabiam tão pouco sobre gravidez que a mulher de 25 anos não tinha ideia de quando o bebê chegaria até a bolsa estourar.

Enquanto o número de adolescentes viciados em jogos virtuais cai na Coreia do Sul, o de adultos cresce e governo lança plano de recuperação
Enquanto o número de adolescentes viciados em jogos virtuais cai na Coreia do Sul, o de adultos cresce e governo lança plano de recuperação
Foto: The New York Times

Mas no mundo de fantasia dos jogos virtuais, eles eram mestres de tudo que encontravam, intrépidos aventureiros explorando terras míticas e matando monstros. Toda noite, o casal, Kim Yun-Jeong e seu marido Kim Jae-Beom, 41 anos, saía de seu apartamento de um cômodo para um cibercafé, onde os dois passavam a noite jogando jogos de interpretação, com frequência até o amanhecer. Cada um cuidava de uma filha virtual, que os seguia a todos os lugares, era alimentada, vestida e acariciada - tudo com alguns poucos cliques no mouse.

Na manhã de 24 de setembro de 2009, eles voltaram para casa após uma sessão de 12 horas de jogo e encontraram sua filha de verdade, um bebê de três meses chamado Sa-Rang (amor, em coreano), morta, franzina de subnutrição.

Na Coreia do Sul, uma das sociedades mais conectadas do mundo, o vício em jogos online há muito tempo é tratado como um tormento adolescente. Mas o caso dos Kim chamou atenção para um problema crescente no país a respeito do vício em jogos de internet entre adultos. Sa-Rang, nascida pré-matura e adoentada, era alimentada com leite duas ou três vezes por dia - antes e depois da noite em claro de seus pais e às vezes quando seu pai acordava durante o dia, afirmam promotores. O bebê morreu "de olhos abertos e com as costelas aparecendo", disse o advogado do casal, Kim Dong-Young.

Após seis meses de fuga, eles foram presos em março e acusados de homicídio por negligência. Na sexta-feira, eles foram sentenciados a dois anos de prisão, mas o juiz suspendeu a sentença de Kim Yun-Jeong, porque ela está grávida de sete meses e precisa de alguma "estabilidade mental"."Lamento muito por ter sido uma mãe tão ruim para o meu bebê", disse Kim, aos prantos, durante o julgamento do casal.

Graças em parte a programas governamentais de aconselhamento, o número estimado de adolescentes com sintomas de vício em internet tem caído consistentemente, de mais de um milhão em 2007 para 938 mil em 2009, anunciou em abril o Ministério de Segurança e Administração Pública. Mas o número de viciados na faixa dos 20 e 30 anos aumentou para 975 mil no ano passado. Muitos desses viciados adultos cresceram com jogos online e agora recorrem a eles quando estão desempregados ou se sentindo alienados da sociedade, explica Dr. Ha Jee-Hyun, psiquiatra do Hospital-Universidade de Konkuk.

Esse quadro e uma recente série de casos semelhantes ao dos Kim fizeram o governo anunciar planos de abrir centros de reabilitação para adultos viciados e expandir o aconselhamento para estudantes e desempregados, os grupos considerados mais vulneráveis ao jogo compulsivo."Diferente dos adolescentes, esses adultos não têm pais que possam arrastá-los a um psicólogo", disse Ha. Ele afirma tratar uma média de quatro adultos viciados em jogos online por mês. Dois anos atrás, era um por mês.

Mais de 90% dos lares sul-coreanos possuem conexão de banda larga à internet. Quase toda esquina tem um salão de jogos com computadores disponíveis por uma taxa. Nesses indistintos estabelecimentos 24 horas, "o limite entre realidade e mundo virtual desaparece", disse Jung Young-Chul, psiquiatra da Universidade de Yonsei.

Os jogos especialmente populares entre os adultos são aqueles de interpretação de personagem, com vários jogadores interagindo online.Nesses jogos, os participantes formam alianças e travam batalhas que podem durar dias, com jogadores operando em turnos para manter a ação. Quanto mais tempo um jogador passa online, mais poderoso se torna o personagem - e o status online do jogador.

Batalhas cibernéticas podem ter impacto no mundo real. Houve vários relatos de jogadores que rastrearam e atacaram outros por terem matado os personagens com que se identificavam há anos. Se os jogos viciam, eles também são altamente comerciais. "Itens" - ciberarmas, vestimentas e habilidades especiais adquiridas no jogo para fortalecer a destreza de combate de seus donos - são comercializados na internet por dinheiro de verdade. Essas trocas foram avaliadas em mais de US$ 1,2 bilhão no ano passado.

Online e offline

Park Ki-Hoon e sua esposa, Choi Jin-Hee, ambos com 37, administram de dia uma loja de roupa de banho e jogam online à noite. No inverno, a baixa estação, Park afirma jogar até 18 horas por dia e ganhar até US$ 2,4 mil por mês, o bastante para cobrir o aluguel da loja. Se Park sabe como equilibrar suas vidas offline e online, muitos não conseguem.Em fevereiro, um homem de 22 anos foi preso e acusado de matar sua mãe por importuná-lo por sua obsessão em jogos. No mesmo mês, um homem de 32 anos caiu morto de exaustão em um cibercafé após jogar continuamente durante o feriado de cinco dias do Ano Novo Lunar. "Alguns homens sem emprego vêm para cá com esperança de um salto financeiro", disse Hong Seong-In, proprietário de um cibercafé.

Embora o país tenha sido o primeiro a tratar o vício em internet, pouca ajuda está disponível para adultos. Proprietários de salões de jogos de computador e entusiastas de jogos afirmam que, na verdade, a compulsão por jogos tem diminuído, assim como o preço dos itens.

Produto de exportação

A Coreia do Sul promove os jogos online. De acordo com o governo, as exportações do produto cresceram 50%, chegando a US$ 1,5 bilhão no ano passado - de longe o principal item de exportação cultural da Coreia do Sul. Seus jogos são imensamente populares na China e em outros países asiáticos.

Jogadores empreendedores na Coreia do Sul e na China têm comandando "fábricas de itens", onde centenas de computadores são programados para jogar sem usuários humanos com o único propósito de gerar itens por dinheiro. "Jogos online são uma cultura", disse Park. "Para mim, pessoas que fazem trilha ou vão pescar são tão malucos quanto eles pensam que eu sou."

The New York Times
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