PUBLICIDADE

Estados Unidos

Redes sociais ajudam inteligência militar a salvar vidas

9 jun 2010 - 15h46
(atualizado às 15h57)
Compartilhar
CHRISTOPHER DREW

Quando era adolescente, Jamie Christopher mandava mensagens instantâneas para fazer planos com os amigos e acabou se tornando uma usuária regular do Facebook. Hoje, ela é uma oficial de inteligência sardenta de 25 anos e usa suas habilidades na rede social para caçar insurgentes e salvar vidas americanas no Afeganistão.

Jamie Christopher demonstra seu trabalho no centro de operações da Base de Beale Air Force, na Califórnia
Jamie Christopher demonstra seu trabalho no centro de operações da Base de Beale Air Force, na Califórnia
Foto: Max Whittaker / The New York Times

Curvados sobre monitores que mostram imagens ao vivo de um avião teleguiado, a tenente Christopher e uma equipe de analistas recentemente entraram em diversas salas de chat militares, para alertar os fuzileiros navais a mais de 11 mil km de distância sobre bombas na beira de estradas, e para rastrear a artilharia do Talibã.

"2 poss crianças no cdv", a equipe avisou, usando uma linguagem de chat para possíveis inocentes dentro do campo de visão do avião, enquanto os fuzileiros em solo se alinhavam para um ataque aéreo. O ataque foi abortado.

"Fogo vindo do cmplx", outra mensagem alertava, se referindo ao complexo do Talibã. Os fuzileiros navais reagiram com um bombardeio aéreo aos combatentes, matando nove deles. Christopher e sua equipe podem estar lutando em teclados distantes ao invés de se desviar de balas, mas eles vão igualmente para a batalha todos os dias. Eles e milhares de outros jovens analistas da Força Aérea americana mostram como as habilidades da geração do Facebook estão sendo exploradas - e pagando dividendos - nas guerras americanas.

Os fuzileiros navais dizem que os analistas, em sua maioria com 20 e poucos anos, prepararam o caminho para que eles entrassem este ano em Marjah, no sul do Afeganistão, com fatalidades mínimas. À medida que os analistas passam rapidamente os dados mais atualizados dos aviões teleguiados e outras aeronaves de espionagem, eles criam as conexões necessárias para caçar pequenos grupos de combatentes e outros alvos em movimento, dizem oficiais militares.

Mas pode haver dificuldades na operação a longa distância. No final do mês passado, autoridades militares no Afeganistão divulgaram um relatório repreendendo um avião Predator em um incidente envolvendo um ataque de helicóptero que matou 23 civis em fevereiro. Oficiais militares dizem que analistas da Flórida que estavam monitorando as imagens de vídeo do avião alertaram duas ou três vezes numa sala de chat que havia crianças no grupo, mas o piloto do avião teleguiado não transmitiu esses alertas ao comandante em terra.

Na maior parte do tempo, no entanto, o uso da rede social tem sido tão produtivo que comandantes mais velhos estão deixando de lado parte da hierarquia militar tradicional e dando aos analistas liberdade para decidir como usar alguns aviões de espionagem.

"Se você quiser agir rapidamente, é preciso nivelar as coisas e se engajar nos níveis mais baixos possíveis", disse o tenente-coronel Jason M. Brown, que comanda o esquadrão de inteligência da Força Aérea em sua base perto de Sacramento.

As conexões têm sido possíveis pela frota crescente de aviões teleguiados, como os Predators e os Reapers, que enviam um fluxo de vídeo contínuo do campo de batalha para centros de inteligência espalhados pelo globo.

A Agência Central de Inteligência e as Forças Armadas usam aviões teleguiados para travar guerras a longa distância contra os insurgentes, com pilotos nos Estados Unidos acionando botões de mísseis. Mas enquanto os comandantes no Afeganistão concentram aviões teleguiados e aeronaves de espionagem U-2 sobre as áreas mais conturbadas, a tecnologia da rede social está expandindo uma retaguarda que é cada vez mais relevante aos combates do dia-a-dia.

E o processo é simples nesta era de transmissões via satélite. Além de receber imagens de vídeo, os analistas examinam imagens congeladas e conversas de inimigos. Enquanto registram a informação nas salas de chat, os analistas conduzem um diálogo contínuo com os tripulantes dos aviões, bem como com comandantes e especialistas de inteligência em campo, que recebem a informação em computadores e então transmitem via rádio os alertas mais urgentes às tropas de patrulha.

Oficiais de inteligência da fuzilaria naval dizem que durante a ofensiva em Marjah, em fevereiro, os analistas conseguiram ficar um passo à frente do avanço, enviando alertas sobre cerca de 300 possíveis bombas à beira da estrada.

"Receber informação sobre o combate tático de um ponto que fica entre 11 mil km e 13 mil km de distância é algo do qual praticamente nunca ouvimos falar", disse o sargento de artilharia Sean N. Smothers, um fuzileiro que foi enviado à base em Chicago para fazer uma intermediação com os analistas.

Smothers viu como a distância se dissipava facilmente quando um analista, olhando imagens de um avião U-2, de repente levantou a mão e gritou, "Cheque!" - o sinal para que um supervisor verifique um alerta. Smothers disse que ele e dois oficiais da Força Aérea correram até o analista e confirmaram a existência de uma bomba à beira da estrada.

Próximo dali, no mapa que aparecia num grande monitor do recinto sem janelas, eles puderam ver um comboio de fuzileiros se aproximando do local. O grupo começou a enviar mensagens de chat frenéticas aos contatos dos fuzileiros navais na área. Enquanto assistiam ao vídeo com imagens captadas de um avião, eles constataram que suas mensagens haviam sido ouvidas: o comboio parou de repente, a cerca de 150 metros da bomba.

"Para mim, essa operação toda foi como um modelo para o que nós deveríamos fazer no futuro", Smothers disse. Oficiais militares disseram estar planejando repetir a operação nos arredores de Kandahar. O esforço é uma grande reviravolta para a Força Aérea americana, que havia sido criticada por demorar muito para se ajustar a novos tipos de ameaças desde o 11/9.

Durante a Guerra Fria, a Força Aérea se focava principalmente em alvos fixos, como as bases soviéticas. Mas os comandantes no Afeganistão e Iraque muitas vezes reclamavam que era difícil obter ajuda de aviões de espionagem antes que os insurgentes escapassem.

Oficiais da Fuzilaria Naval e do Exército dizem que isso começou a mudar à medida que mais aviões foram enviados ao Afeganistão no início de 2009 e a Força Aérea melhorou sua fusão de vários tipos de inteligência para obter um quadro mais completo dos combates. E os novos analistas, que praticamente cresceram usando computadores e jogos de vídeo interativo, têm sido cruciais.

Embora os analistas da Força Aérea tenham sido no passado como técnicos da sala dos fundos, a última geração trabalha em uniformes camuflados e botas de combate em amplas salas, com quatro monitores de computador em cada mesa. Grandes telas nas paredes mostram as imagens captadas pelos aviões, e café e Red Bull ajudam os analistas a aguentar os turnos de 12 horas.

As salas de chat na tela do computador são janelas sem frescura de texto corrido, e os líderes das equipes mantêm dezenas delas abertas de uma vez. Elas podem parecer rústicas em comparação ao Facebook, mas Christopher disse que eram efetivas na comunicação.

"Quando não estamos ocupados, eu digo, 'ei, como vai o seu dia?'", ela disse. "Não apenas, 'de que você precisa?'"

Também existem algumas interações à moda antiga. A Força Aérea, que têm quatro mil analistas em bases como esta e que está contratando mais 2,1 mil, enviou oficiais de intermediação ao Afeganistão para ajudar a entender as prioridades em solo. E alguns analistas atendem ao telefone para construir laços mais íntimos com os soldados que nunca viram.

Andres Morales, piloto sênior, disse que conversa bastante com um tenente do Exército de 24 anos, ajudando seu batalhão a encontrar armas escondidas e rastrear combatentes inimigos. Mas depois que quatro de seus soldados foram mortos, "ele não queria mais falar sobre inteligência", Morales, 27 disse. "Ele queria conversar, mais ou menos, sobre como é a vida na Califórnia, e disse que quando voltar, nós vamos surfar juntos."

Quentin Arnold, 22, outro analista alistado, disse que havia trabalhado tão intimamente com a Fuzilaria Naval que 15 a 20 de seus membros pediram para serem seus amigos no Facebook. Ele acabou de coletar US$ 1,5 mil de analistas da base para enviar um pacote com um PlayStation 3 e um Xbox 360 a alguns fuzileiros.

Ainda assim, três quartos dos 350 analistas daqui nunca estiveram em zonas de guerra, por isso, pode haver uma divisão cultural. Vários dizem que ficaram um pouco intimidados quando Smothers, 36, que já foi a cinco missões no Iraque, pisou com vigor no andar dos analistas na base em fevereiro.

Na época, os analistas estavam reunindo dados dos aviões U-2 e dos teleguiados para monitorar estradas para Marjah e campos onde helicópteros pudessem aterrissar. Mas os analistas relaxaram à medida que Smothers acompanhava seu trabalho, incentivando-os a alertar os fuzileiros sobre até mesmo as ameaças mais incertas.

"Foi como um gato tímido da casa que não fala com você no começo e agora não sai do seu colo", ele disse.

Enquanto a operação se desenrolava, os analistas comunicaram pistas que permitiram que os fuzileiros navais matassem pelo menos 15 insurgentes que instalavam bombas. Christopher, que adora conversar no Facebook com sua família em Ohio, estava tão exausta dos turnos noturnos durante esse período que deixava o Facebook de lado e ia direto para a cama. E, às vezes, conta, ela sonhava com algo que havia acabado de ver na guerra.

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
Compartilhar
Publicidade