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Web inspira irresponsabilidade em jovens, dizem médicos

16 jun 2010 - 16h27
(atualizado às 16h53)
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Tara Parker-Pope

Será que a internet está levando os adolescentes a fazer ainda mais coisas idiotas do que costumavam?

A série americana Jackass mostrava na TV cenas perigosas e brincadeiras consideradas idiotas protagonizadas pelos atores e, muitas vezes, copiadas por adolescentes em casa
A série americana Jackass mostrava na TV cenas perigosas e brincadeiras consideradas idiotas protagonizadas pelos atores e, muitas vezes, copiadas por adolescentes em casa
Foto: Scott Gries / Getty Images

Alguns especialistas em comportamento infantil e adolescente acreditam que sim. Os adolescentes sempre foram propensos a assumir riscos tolos (graças em parte ao córtex pré-frontal do cérebro, que orienta os processos decisórios e, na adolescência, ainda não atingiu seu pleno desenvolvimento).

Mas, com a ascensão de sites como o YouTube e o Facebook, alegam os especialistas, os adolescentes agora enfrentam pressão de seus pares para que imitem toda espécie de comportamento perigoso e aceitem todo desafio, e postem online os resultados.

Não existem dados que demonstrem se a irresponsabilidade inspirada pela web está realmente em ascensão ou se os adolescentes estão simplesmente assumindo os mesmos riscos que as gerações de jovens do passado - mas encontrando maior facilidade para registrar e mostrar suas travessuras idiotas.

No entanto, alguns médicos afirmam que, no mínimo, a internet faz com que os adolescentes elevem o nível de perigo de suas atividades. Poucas semanas atrás, o Dr. E. Hani Mansour, especialista em queimaduras em Livinsgton, Nova Jersey, atendeu a um adolescente que havia sofrido sérias queimaduras ao acender fogos de artifício. E não foi um acidente com fogos de artifício ao modo convencional.

O menino havia enchido a banheira de sua casa de fogos de artifício, coberto o corpo com roupas protetoras e montado uma câmera de vídeo para registrar o evento. A explosão resultante, que o menino mais tarde declarou que pretendia postar no YouTube, criou uma bola de fogo que causou queimaduras em 14% da superfície de seu corpo.

"Meninos vêm tentando inventar foguetes há muitos anos", disse Mansour, diretor médico do centro de queimaduras do St. Barnabas Medical Center. "Mas agora vemos uma maior ousadia. Eles fazem coisas como essas com a intenção de filmá-las".

De fato, o que distingue muitas das jovens vítimas atuais de queimaduras é que, ao contrário de contrapartes do passado, planejam deliberadamente criar um espetáculo flamejante, e muitas vezes tomam precauções básicas, como por exemplo proteger a pele.

No começo deste ano, um menino de 15 anos tentou se filmar enquanto fazia arremessos de basquete - com uma bola em chamas. Ele usou múltiplas camadas de roupa para proteger a pele e embebeu a bola em gasolina antes de incendiá-la. Mas quando arremessou a bola, suas roupas pegaram fogo. Ele está em convalescença, disse Mansour, mas terá cicatrizes duradouras devido às queimaduras de segundo e terceiro graus que recebeu no peito, abdome e coxas.

Uma busca no YouTube pelo termo "bola de basquete em chamas" revela mais de 100 vídeos. Em apresentação à American Burn Association, Mansour relatou um estudo com 46 vídeos encontrados na Web e relacionados a "truques com fogo". Ainda que uns poucos deles envolvessem adultos, a maioria dos participantes parecia ter entre 13 e 20 anos, ou até menos.

Em abril, pesquisadores canadenses reportaram sobre o número crescente de vídeos online que documentam asfixia recreativa, um passatempo conhecido como "jogo do engasgo". Os 65 vídeos dessa categoria mostram pessoas que se enforcam deliberadamente a fim de sentir uma breve sensação de euforia.

Ainda que o jogo seja conhecido há décadas (há uma referência a ele em uma publicação médica britânica da década de 1890), alguns especialistas se preocupam com a possibilidade de que a web esteja renovando sua popularidade. Os 65 vídeos haviam sido assistidos quase 174 mil vezes, de acordo com relatório sobre a pesquisa publicado pela revista Clinical Pediatrics.

"O YouTube está servindo como forma de difundir esse tipo de atividade, e propiciar maiores audiências para elas, bem como informando às pessoas como realizar esse tipo de coisa", disse a diretora da pesquisa, Dra. Martha Linkletter, residente em pediatria no IWK Health Center, em Halifax, Canadá.

Alguns especialistas dizem que o YouTube, o MySpace e outros serviços de vídeo deveriam ser usados para alertar os adolescentes quanto às consequências do comportamento de risco. Mansour disse que seu hospital planejava veicular no YouTube um vídeo sobre as dores e cicatrizes causadas pelas queimaduras.

A Dra. Megan Moreno, especialista em medicina adolescente na Universidade de Wisconsin, recentemente conduziu um estudo no qual a "Dra. Meg", sua persona de MySpace, fazia contato com adolescentes cujas páginas no site alardeavam aventuras sexuais e bebedeiras.

"Você tem certeza de que isso é uma boa ideia?", perguntava a Dra. Meg, acrescentando argumentos para que os jovens pudessem desejar retirar aquelas informações. Os recados também alertavam sobre os riscos de doenças sexualmente transmissíveis.

Os adolescentes contatados pela Dra. Meg mostravam probabilidade duas vezes maior de remover referências a sexo ou abuso de substâncias prejudiciais, nos três meses posteriores ao contato, quando comparados aos adolescentes não contatados, de acordo com o estudo publicado pela revista The Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine.

Para além dos riscos evidentes que existem quando os jovens filmam travessuras perigosas, alguns médicos se intrigam com a forma pela qual a internet pode estar influenciando o desenvolvimento normal da adolescência. Moreno aponta que uma das características que distingue o início da adolescência é a "audiência imaginária" - a embaraçosa sensação de que o mundo inteiro está assistindo tudo ao que a pessoa faz.

"Para os alunos de ensino médio, uma parte realmente normal desse processo é a percepção de que você está em um palco e todos o estão contemplando", disse Moreno. "Mas para a garotada de hoje, o mundo em que estão crescendo é diferente. Há um mundo no qual realmente existe uma audiência".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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