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Facebook: usuários usam criatividade para se autodescreverem

21 jun 2010 - 16h33
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Aimee Lee Ball

Quantas vezes na vida devemos fazer uma autodescrição? Contemos: a ansiedade num processo seletivo para entrar na faculdade. A infâmia dos encontros pelo Match.com. Os floreios de um currículo enviado a possíveis empregadores. E, é claro, o Facebook.

A lacuna biografia do Facebook é preenchida com diversas informações. Desde piadas até as reflexões mais profundas
A lacuna biografia do Facebook é preenchida com diversas informações. Desde piadas até as reflexões mais profundas
Foto: Jennifer Daniel / The New York Times

A página de perfil de cada membro do Facebook possui uma tentadora aba 'informações', trazendo a oportunidade de demonstrar sagacidade ou inteligência, ousadia ou timidez, intenções pessoais ou credenciais profissionais. Algumas categorias são sugeridas automaticamente - 'gostos e interesses, citações favoritas' -, mas existe um espaço escancarado chamado 'biografia'. Não existe submenu: o formato é preencher a lacuna, salve-se quem puder.

"É intimidador resumir quem você é e comunicar sua personalidade", disse Gretchen Rubin, ex-advogada de Nova York que escreveu "The Happiness Project" e que optou pela ironia: Ruiva, canhota, legalmente cega, consumidora massiva de Diet Coke.

"Decidi que, se não é para se aprofundar, posso muito bem ser bastante superficial", disse. "Escrevi o que achava ser mais notável em mim, embora não diga que faço tranças no cabelo direto".

A biografia do Facebook é parte explicação, parte autoexploração para Adam Rifkin, um empreendedor do Vale do Silício.

"Muita gente que faz o que faço é bem cínica. Eu quis explicar que sou muito aberto e sincero", disse. "Mas, se você não pensar demais, dá para se divertir".

Então, suas observações sinceras incluem: não jogo sujo quando estou competindo. Mas ele escolheu como legenda de uma foto: qualquer semelhança com um panda é pura coincidência. Comprovadamente, as partes mais tentadoras da descrição são os espaços para inclinação política e religião. Simples democratas e republicanos caem na irreverência (bastardo comunista liberal vermelhinho(, no proselitismo (xiita ambiental) e no confronto (à esquerda de você).

Embora tenha sido o fotógrafo da Casa Branca do presidente Gerald R. Ford, David Hume Kennerly, de Santa Monica (Califórnia), declarou ser afiliado ao Partido da Sobrancelha Arqueada.

"Isso reflete meu ceticismo em relação ao mundo, embora não queira ser visto como alguém político", disse ele. "Não teria importado para mim se o presidente Ford fosse republicano ou democrata. E, o mais importante, é que não importava para ele. Estávamos no Salão Oval um dia, e ele disse, 'Nunca perguntei se você é um republicano'. Então, falou, 'Não responda'".

O item religião é amplamente interpretado como uma tela em branco de autoexpressão. Alguns são poéticos (ioga, oceanos, catedrais), outros enigmáticos (sobre a cabeça, amplitude), criativos (a aula de ioga da Nikki é uma experiência religiosa), culpados (virei católico não-praticante; que vergonha), prosaicos (privado), meigos (ateu, exceto pelos gatinhos), alguns se esforçam para se definir ou se diferenciar (ateu, mas OK com feriados religiosos).

Toda religião tradicional parece ter desdobramentos e subsidiárias não reconhecidas por padres, pastores, rabinos ou imãs: o judaísmo é representado por judeus amish, judeus pagãos, panteísta com um toque de judeu com gelo e jud-eu (que deve ser diferente de judeu).

Um clássico dilema do Facebook confrontou a colunista de autoajuda E. Jean Carroll: verdade ou entretenimento. Ela conseguiu ambos, transmitindo uma desconfiança insolente em relação à política (Partido Liberal Radical Equatoriano) e à religião organizada (Desisti de Deus e hoje só venero Oprah).

Carroll lamenta que o Facebook tenha se tornado a agência de notícia das massas, com atualizações noticiosas que são tudo menos dignas de notícia - muitas vezes, explícita promoção pessoal ou do parceiro.

"Estamos todos encantados com nós mesmos", disse. "Estamos tão apaixonados por nós, que vendemos, vendemos, vendemos. Tudo vira um momento Oprah, é o que eu acho".

Os amigos são os melhores espelhos, segundo Ashley Pierce, que recentemente terminou seu mestrado em belas artes na Universidade da Carolina Oriental. Então, ela relatou duas idiossincrasias que as pessoas frequentemente mencionam sobre ela: o interior do meu carro está sempre muito limpo e faço listas ilustradas para tudo.

"Desenhos, como sonhos, são um reflexo do seu subconsciente", disse. "Agora mesmo desenhei uma framboesa. Não faço ideia por quê".

"Sou um livro aberto" sugere o mote filosófico de Stuart Tracte, chefe de marketing da Project Migration, uma organização sem fins lucrativos de Nova York que se dedica a mães solteiras na África.

"Em qualquer relacionamento, é quando você lida com os defeitos da outra pessoa que você empaca", explicou Tracte. "Por que não admitir que essas coisas existem? Meus segredos mais profundos e sombrios são o que fazem de mim o que eu sou".

Uma prancha de surfe usada foi uma das primeiras aquisições de Cesar Castillo ao se mudar de Houston (não conhecida por suas ondas) para o sul da Califórnia, onde ele serviu mesas para sustentar seu hábito. Quando soube que tinha um linfoma não-Hodgkin, precisou abandonar o esporte. Agora, após quatro anos de remissão do câncer e trabalhando como assistente de produção, ele voltou ao oceano.

"Fiquei feliz em abraçar novamente o surfe depois de conseguir um atestado de saúde limpo", disse Castillo. E seu perfil traz uma exuberante declaração de bem-estar: surfo, logo existo.

Autodefinição pode facilmente virar autossatisfação, indo direto em direção à autobajulação, e o que acaba sendo revelado involuntariamente pode ser o mais verdadeiro. De um lado estão aqueles que simplemente não superam o fato de terem estudado em Harvard, com perfis que só não dizem "nós poucos felizardos".

Do outro lado está a charmosa autodepreciação de Jim Donovan, conselheiro financeiro e presidente da Liga Júnior de Lacrosse de Nova Jersey, que lembra um Mel Brooks: sou a meia branca da loja de smokings.

"Acredito que seja apenas um pai admitindo: nada sei", disse.Definir-se envolve, com frequência, aspirações, observou Mitchell Davis, vice-presidente da Fundação James Beard, em Nova York.

"Passei bastante tempo na Itália, onde a apresentação de la bella figura é muito importante na cultura", disse. "Mas uma coisa é o que você pensa ser e outra o que as pessoas pensam. Em algum lugar no meio está quem você é". Ele escolheu um sucinto "eu como bem, mas demais" como sua biografia.

"Sou de uma geração na qual ainda existia uma distinção entre informação pública e privada", disse Davis. "Mas eu sou a prova de que você pode comer um monte de vegetais da fazenda e grãos integrais e ainda estar acima do peso".

Um crítico observou certa vez que os personagens dos romances de Alison Lurie entram num "processo racional de autodecepção", uma frase que teve impacto em Steven Haft enquanto ele cutucava os perfis de seus amigos do Facebook.

"Fiquei com inveja de alguns perfis, porque eu não tinha nenhuma frase curta de identificação", disse. Sendo um advogado da organização de direitos ACLU e um produtor de filmes ("Sociedade dos Poetas Mortos"), ele queria passar uma odisseia pessoal e profissional, portanto, suas escolhas curtas foram: Independente. Confiável. Criativo. Provocador.

"É uma boa descrição de o que deve ser o 'Ato Três' para um adulto", disse.

O Facebook se tornou uma pequena autobiografia para Diltz Beckman, captadora de recursos de Tampa (Flórida): criada por uma mama sulista de pretensões artísticas e de pensamento livre na era de Donna Reed, bem no meio do Orange County de John Birch. Passou por uma infância idílica, alegremente alheia aos comunistas que se escondiam de baixo da cama (...).

Sua biografia é uma confissão de estranheza, mas não um convite ao debate. "Existem pessoas que amo cujas visões políticas abomino, mas escolhi não saber dessas coisas", disse. "É o mesmo que rodas de debate: não as quero na minha vida".

Em última análise, o autorretrato do Facebook pode tachar o frívolo, o profundo, o introspectivo e mesmo o nostálgico. "É possível tirar Brian de Nova York (...)" identifica Brian Zisk, consultor de projetos de tecnologia e música que foi inesperadamente transferido para São Franscisco.

"Carrego muito de Nova York comigo, é essa é uma maneira de expressar o cerne de quem eu sou", disse. "Online existe um conjunto completamente diferente de pistas para avaliar as pessoas com que você cruza. Se você conhece alguém pessoalmente, dá para ver se a pessoa é relaxada ou se ela acordou de manhã e passou sete horas se arrumando. Mas as pessoas online são impressionantemente similares ao que são na vida real. Se você for um cretino online, provavelmente também é um cretino na vida real".

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
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