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Sucesso da Apple atrai olhares desconfiados de concorrentes

26 jun 2010 - 14h15
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Miguel Helft

Enquanto os fãs da Apple formavam filas diante das lojas para o lançamento da quarta versão de seu iPhone, na manhã de quinta-feira, a posição da empresa parecia nunca ter sido melhor. E não se trata apenas do iPhone. As vendas do computador tablet iPad são igualmente fortes, e a Apple recentemente ultrapassou a Microsoft e se tornou a maior empresa do setor de tecnologia, por valor de mercado.

A Apple recentemente ultrapassou a Microsoft e se tornou a maior empresa do setor de tecnologia, por valor de mercado
A Apple recentemente ultrapassou a Microsoft e se tornou a maior empresa do setor de tecnologia, por valor de mercado
Foto: AP

Mas à medida que sucesso segue sucesso, a empresa se apanha em posição intrigante. Como concorrente sempre em desvantagem no setor de tecnologia, a Apple estava acostumada a ser desdenhada e a servir como alvo de zombarias de concorrentes maiores e de mais sucesso, a exemplo da Microsoft ou Dell. Agora, com frequência cada vez maior, a companhia está sendo vista por concorrentes e observadores do setor como propensa a praticar abusos de mercado.

Companhias como Google e Adobe acusaram a Apple de usar deslealmente a sua influência a fim de excluir tecnologias desenvolvidas por elas do iPhone e iPad. E alguns criadores de aplicativos se preocupam com o controle rígido que a Apple exerce sobre os seus aparelhos, ainda que muitos deles estejam fazendo fortuna com a popularidade dos dispositivos fabricados pela companhia.

Mas talvez o mais claro sinal da ascensão da Apple ao posto de superpotência do setor seja a atenção que as autoridades regulatórias do governo começam a dedicar a todas as suas decisões.

"Trata-se de um território desconhecido para a Apple", diz Tim Bajarin, fundador da Creative Strategies, uma companhia de análise de mercado que acompanha a Apple há quase três décadas.

As mudanças são testemunha da notável reversão orquestrada por Steven Jobs, que retornou à Apple mais de uma década atrás quando a companhia estava perto de fechar as portas. No entanto, essas mesmas mudanças deixaram a empresa em situação inesperada e potencialmente perigosa, já que concorrentes estão começando a cooperar contra a Apple.

A busca de inovações que a empresa promove de maneira tanto egoísta quanto caprichosa não é novidade, no entanto. Ela conseguiu em numerosas ocasiões romper com os padrões do setor de tecnologia, mesmo que suas atitudes causassem incômodo. "A Apple sempre caminhou em ritmo próprio", disse Bajarin.

No passado, a empresa irritou os fornecedores e confundiu os especialistas, por exemplo, ao optar por usar disquetes de 3,5 polegadas, em lugar do modelo de 5,25 polegadas, mais comuns, ou, posteriormente, quando abandonou completamente o uso de disquetes. Mas agora que a Apple deixou de ser uma empresa isolada e passou a liderar um dos segmentos de mais rápido avanço no setor - a computação móvel - suas ações têm consequências mais sérias e as queixas se tornam mais ruidosas.

"As pessoas costumavam ver a Apple como uma companhia amalucada e dada a cometer erros", disse Paul Saffo, veterano analista de tecnologia do Vale do Silício. "Agora dizem que a Apple está tentando matar seus concorrentes".

As queixas são de certa forma surpreendentes, porque a Apple, por enquanto, está distante de obter posição dominante como a que a Microsoft explora nos computadores pessoais ou o Google mantém no setor de buscas e publicidade vinculada a buscas na web.

Embora o iPod e a iTunes liderem o mercado de players de música e de distribuição digital de música, a Apple continua a ser um concorrente menor no mercado de computadores pessoais. E acaba de ingressar no segmento de publicidade digital e no de venda de livros eletrônicos.

Mesmo nos celulares inteligentes, ela ainda está bem atrás da Research in Motion (RIM), fabricante do BlackBerry, ainda que seus aparelhos dominem o mercado de aplicativos para celulares. Talvez as mais ruidosas queixas do ano tenham surgido depois que a Apple proibiu o uso de certas ferramentas de programação criadas por terceiros em seu iPad, entre as quais o software Adobe Flash, amplamente usado para criar vídeos online e aplicativos para a web.

A decisão levou a uma disputa verbal que ganhou muito destaque entre a Adobe e Jobs. Também fez com que a Comissão Federal do Comércio (FTC) dos Estados Unidos começasse a estudar os efeitos da decisão da Apple sobre seus concorrentes.

"Ignorar um componente importante da internet, como o Flash, parece um tanto tolo", disse John Warnock, fundador da Adobe. Warnock disse que Jobs teria procedido com mais cautela quando sua empresa tinha menos influência. "A Apple age como costuma agir", ele comentou. "Mas não creio que teria tomado a mesma decisão 10 anos atrás".

Jobs, que recusou uma entrevista para este artigo, defendeu vigorosamente a decisão da Apple de excluir o Flash, afirmando que tinha bases estritamente técnicas. Ele criticou o Flash por consumo excessivo de energia e pelo que os críticos definem como falhas de segurança. E disse que a Apple estava simplesmente fazendo uma aposta em que a tecnologia do software, embora ainda popular hoje, esteja caindo em desuso e em breve terminará superada por outras.

Os clientes "nos pagam para que façamos essas escolhas", disse Jobs em uma recente palestra. Talvez a mais rápida e mais surpreendente das transformações da Apple tenha sido a de empresa menor em quase monopólio, no mundo da publicidade para celulares, um mercado em que a companhia está apenas ingressando.

Algumas semanas atrás, a FTC estava à beira de impedir uma fusão entre o Google e a AdMob, que se especializa em colocar anúncios em aplicativos para o iPhone. As autoridades regulatórias afirmaram que a fusão daria ao Google, o maior vendedor de publicidade online, virtual controle sobre o pequeno mas rapidamente crescente mercado de publicidade em celulares.A comissão aprovou a transação, mas apenas depois que a Apple adquiriu a Quattro Wireless, rival da AdMob, e anunciou o seu sistema iAds de publicidade em celulares, que passaria a funcionar com o lançamento do iPhone 4.

Em seguida, no começo do mês, a Apple pareceu ter realizado a transação de excluída a exclusora no mercado de publicidade em celulares. Novas regras para o iPhone 4 impedem que o Google e a AdMob vendam anúncios para veiculação no aparelho, o que resultou em queixa do Google, por uma vez assumindo a posição de vítima, bastante incomum para a empresa.

"Barreiras artificiais à concorrência prejudicam usuários e criadores de programas e, em longo prazo, bloqueiam o progresso tecnológico¿, escreveu Omar Hamoui, presidente-executivo da AdMob. Depois da queixa de Hamoui, a comissão de comércio expandiu sua investigação quanto às práticas da Apple e incluiu no inquérito a rede iAds, de acordo com pessoas informadas sobre o assunto mas que não quiseram ser identificadas devido à delicadeza da situação.

O inquérito da comissão não é o único quanto a comportamento potencialmente prejudicial à concorrência de parte da Apple. O Departamento da Justiça norte-americano recentemente iniciou uma investigação preliminar sobre o possível exercício de pressão pela Apple sobre as gravadoras, a fim de que excluíssem a Amazon.com, sua rival no mercado de distribuição de música digital, de certos acordos de licenciamento. E a Apple é uma das muitas empresas do Vale do Silício cujas práticas de recursos humanos estão sendo examinadas pelo departamento.

O mais recente inquérito pela FTC causou estranheza a alguns especialistas em leis antitruste norte-americanos, especialmente porque a Apple controla menos de um terço do mercado de celulares inteligentes nos Estados Unidos. A RIM, com seu BlackBerry, continua em primeiro lugar, e os celulares equipados com o sistema operacional Google Android vêm ganhando rápida aceitação junto aos consumidores e criadores de aplicativos. Mas há quem considere que o governo tem motivo para se preocupar.

"A Apple começou a se comportar de modo realmente agressivo e a tentar tirar vantagem de sua posição dominante no mercado", disse Andrew Gavil, especialista em leis antitruste e professor de Direito na Universidade Howard. "A questão é determinar se a posição deles é significativa o bastante para influenciar a concorrência, em algum mercado. A resposta parece ser afirmativa".

Embora a Apple tenha criado um amplo ecossistema que enriqueceu alguns criadores de aplicativos, muitos outros deles agora se preocupam com a possibilidade de que a companhia exerça controle demasiado sobre o mundo que criou.

Quando um programador que cria aplicativos para o iPhone anunciou recentemente no Facebook que não trabalharia mais com o aparelho devido às restrições da Apple, o influente blog TechCrunch definiu a situação como "programador foge à tirania da Apple".

E quando o produtor de um aplicativo bastante procurado abandonou a loja de aplicativos da Apple, frustrado com a demora na aprovação de uma nova versão, ele questionou, em um blog muito lido: "Vocês tinham a intenção de nos excluir ao nos forçar a esperar tanto?".

Para Mitchell Kapor, que investe em empresas iniciantes de tecnologia, entre as quais produtoras de aplicativos para celulares, a situação evoca o confronto que enfrentou com a Microsoft quando era presidente da Lotus Development, nos anos 80. "O ressentimento é muito, muito intenso", disse, "e lembra o ressentimento que existia quanto à Microsoft quando a plataforma deles era obrigatória para qualquer criador de aplicativos".

The New York Times
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