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Processo por defeito em computadores mostra declínio da Dell

30 jun 2010 - 11h12
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Ashley Vance

Depois que o departamento de matemática da Universidade do Texas percebeu defeitos em alguns de seus computadores Dell, a empresa fabricante examinou as máquinas, e ofereceu uma explicação incomum para os problemas: a universidade havia sobrecarregado em excesso as máquinas ao requerer que realizassem cálculos matemáticos difíceis demais.

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Foto: Divulgação

Na verdade, a Dell havia fornecido à universidade, que fica em Austin, computadores de mesa montados com componentes elétricos defeituosos, que causavam vazamento de fluidos químicos. A Dell vendeu milhões de computadores com esses problemas, entre 2003 e 2005, para grandes empresas norte-americanas como a Wal-Mart e Wells Fargo, instituições como a Mayo Clinic e pequenas empresas de todos os Estados Unidos.

"O estranho é que todos eles enguiçaram ao mesmo tempo", disse Greg Barry, presidente da PointSolve, uma empresa de serviços de tecnologia sediada perto de Filadélfia que adquiriu dezenas de máquinas Dell. "Foi algo de inédito, mas a Dell na época não parecia ter reconhecido que isso era um problema".

Documentos recentemente revelados quanto a um processo aberto três anos atrás contra a Dell demonstram que funcionários da companhia na verdade estavam cientes de que a probabilidade de quebra dos computadores era elevada. Ainda assim, tentaram minimizar a importância do problema diante dos clientes, e permitiram que estes continuassem a depender de máquinas defeituosas, que poderiam colocar seus negócios em risco. Até mesmo o escritório de advocacia que está defendendo a Dell no processo foi prejudicado, quando a companhia se recusou a consertar mil máquinas potencialmente defeituosas, de acordo com e-mails revelados ao longo do processo.

Os documentos que revelam o colapso das máquinas também ajudam a explicar o declínio de uma das mais celebradas e admiradas fabricantes de computadores dos Estados Unidos. Talvez mais do que qualquer outra empresa, a Dell lutou por reduzir os preços dos computadores.

Seu "modelo Dell" se tornou sinônimo de eficiência, terceirização e estoques bem administrados, e era ensinado na escola de administração de empresas da Universidade Harvard e outras importantes escolas de administração como paradigma de inteligência nos negócios e de superação da competição.

"A Dell, como empresa, era o modelo no qual todas as atenções se concentravam, 10 anos atrás", disse David Yoffie, professor de administração internacional de negócios em Harvard. "Mas quando você combina a perda de diversas viradas de rumo importantes no setor a problemas de comando, é difícil que uma reputação não perca o lustro".

Pelos últimos sete anos, a companhia vem sendo perturbada por sérios problemas, entre os quais a interpretação incorreta dos desejos dos consumidor, má assistência técnica, baixa qualidade de produtos e contabilidade indevida. A Dell tentou deixar para trás os seus problemas.

Em 2005, anunciou que estava realizando uma provisão de US$ 300 milhões para cobrir, entre outras coisas, reparos e substituição dos computadores defeituosos. A companhia constituiu nova provisão de US$ 100 milhões este mês para cobrir o possível custo de um acordo com a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que fiscaliza e regulamenta o mercado de valores mobiliários), quanto a uma investigação de sua contabilidade iniciada cinco anos atrás e que provavelmente resultará também em acusações federais de fraude e conduta indevida contra o seu fundador, Michael Dell.

Os problemas que afetam os computadores da Dell derivam de uma crise setorial causada por maus capacitores fabricados por fornecedores asiáticos de componentes para computadores. Os capacitores são empregados amplamente nas placas-mãe de computadores, e desempenham papel crucial no fluxo de corrente pelo hardware.

Não deveriam estourar e causar vazamentos de fluidos, mas era exatamente o que estava acontecendo nos primeiros anos da década passada, o que causou defeitos em computadores feitos pela Dell, Hewlett-Packard, Apple e outros fabricantes.

De acordo com memorandos internos da empresa e outros documentos recentemente revelados em um processo civil contra a Dell no tribunal federal de primeira instância da Carolina do Norte, a Dell parece ter sofrido muito mais do que seus rivais com os problemas causados por maus capacitores fabricados por uma empresa chamada Nichicon.

Documentos internos da companhia demonstram que entre maio de 2003 e julho de 2005, a Dell embarcou pelo menos 11,8 milhões de computadores que corriam risco de falhas devido a componentes defeituosos. Tratava-se de computadores de mesa do modelo Dell OptiPlex - o principal produto da companhia, vendido a usuários governamentais e empresariais.

Um estudo conduzido pela Dell constatou que os computadores OptiPlex afetados pelos maus capacitores causariam problemas em cerca de 97% dos casos, em período de uso de três anos, de acordo com a documentação do processo. Enquanto as queixas se agravavam, a Dell contratou uma empresa terceirizada para investigar o problema.

De acordo com documento que a companhia apresentou ao tribunal, o grupo contratado constatou que o número de computadores em risco de falha grave era 10 vezes maior que o calculado pela Dell. Para agravar ainda mais a situação, a Dell substituiu placas-mãe defeituosas por outras placas-mãe defeituosas, de acordo com as conclusões do estudo encomendado pela Dell.

Mas os funcionários da Dell fizeram tudo que podiam para ocultar esses problemas. Em uma troca de e-mail entre funcionários do serviço de assistência técnica da Dell e o escritório de advocacia Simpson Thacher & Bartlett, quanto a defeitos em computadores, um funcionário da Dell afirmou que "precisamos evitar qualquer forma de expressão que indique que as placas-mães eram defeituosas ou tinham problemas, de acordo com o que discutimos hoje pela manhã".

Em outros documentos sobre como enfrentar as questões quanto aos sistemas OptiPlex defeituosos, os vendedores da Dell foram instruídos a "não serem pró-ativos no que tange a chamar a atenção dos compradores quanto a isso", e a "enfatizar a incerteza".

"Eles estavam substituindo computadores quebrados por outros computadores defeituosos, e enganando os clientes enquanto isso", disse Ira Winkler, ex-analista de computação na Agência de Segurança Nacional (NSA) e hoje consultor de tecnologia. "Sabiam que haviam distribuído milhões de computadores que sofreriam defeitos inevitavelmente, e decidiram não oferecer aos usuários a oportunidade de corrigir esses defeitos antes que surgissem".

Winkler depôs como perigo em nome da Advanced Internet Technologies (AIT), que abriu o processo contra a Dell em 2007, alegando que a empresa se recusava a assumir a responsabilidade pelos dois mil computadores defeituosos vendidos a ela. A AIT alega que perdeu milhões de dólares em negócios devido aos defeitos. Clarence Briggs, o presidente-executivo da companhia, se recusa a comentar sobre o processo.

Alguns dos documentos sobre o caso foram considerados sigilosos, nos termos de um mandado concedido no começo desde mês. Os documentos demonstram que, depois que a AIT se queixou, representantes da Dell não examinaram as máquinas defeituosas e alegaram que a empresa havia usado os computadores por tempo demais em um ambiente fechado e confinado.

Vendedores da Dell discutiram a possibilidade de tentar resolver o problema vendendo máquinas ainda mais caras à empresa. Jess Blackburn, porta-voz da Dell, diz que a companhia não comenta sobre casos pendentes. Os advogados que representam a Dell no processo negam as alegações da AIT e dizem que esta selecionou apenas os documentos mais adversos quanto à situação, e os apresentou com interpretações equívocas.

Em resposta à AIT, os advogados da Dell escreveram que "havia um problema com os componentes da Nichicon, e isso afetou diferentes clientes de maneiras diferentes".

Para resolver os problemas, a Dell prorrogou a garantia sobre os sistemas em questão e em muitos casos substituiu as máquinas depois de queixas dos consumidores. (Em 2007, a companhia corrigiu seus balanços para o período 2003/6 e para o primeiro trimestre de 2007, e reduziu os valores totais de vendas e receita líquida no período. Uma auditoria revelou que funcionários da empresa haviam manipulado resultados financeiros para cumprir metas de crescimento).

Mas, como a Dell não ordenou um recall das máquinas, muitos dos clientes usuários dos computadores OptiPlex podem não estar cientes de que seus computadores têm alta probabilidade de defeitos ou não compreender por que suas máquinas apresentaram defeitos. A AIT alega em documentos do processo que os capacitores defeituosos deflagravam uma série de outros problemas, muitas vezes interpretados incorretamente. A Dell pode vir a enfrentar uma série de novas queixas, vindas de alguns de seus principais clientes.

Um dos pontos cruciais, em suas queixas contra a Dell no processo, é que os clientes descrevem ter perdido informações valiosas quando seus computadores apresentaram defeitos. A Dell, em contraste, nega que os problemas dos capacitores tenham causado perda de dados.

A cadeia de suprimentos da Dell sempre foi vista como uma das grandes vantagens da empresa. A companhia mantinha seus custos baixos por meio de estoques reduzidos de componentes e contratos rigorosos com fornecedores. Caso os preços dos componentes se alterassem, a empresa tinha condições de reagir com mais rapidez que os concorrentes, oferecendo aos seus usuários os mais recentes componentes ao custo mais baixo.

Mas centenas de documentos internos da companhia que foram incluídos no processo revelam uma empresa cuja cadeia de suprimentos entrou em colapso por não conseguir encontrar placas-mãe de boa qualidade para seus clientes, entre os quais o escritório de advocacia Alston & Bird, que defende a Dell no litígio.

De acordo com uma pessoa que viu mensagens trocadas entre funcionários da Dell em 2005, os executivos da empresa desenvolveram cuidadosamente uma campanha de relações públicas para contornar o problema do OptiPlex.

Michael Dell e Kevin Rollins, então presidente-executivo da companhia, foram informados de que a mídia noticiosa seria informada de que a Dell assumia o compromisso de consertar qualquer sistema defeituoso, que ela estava trabalhando com os clientes para resolver os problemas da maneira mais efetiva e que os defeitos não acarretavam riscos de segurança ou de perda de dados.

Carey Holzman, especialista em computadores que investigou o problema dos capacitores e recolheu fotos de máquinas de usuários cujas placas-mães foram destruídas, encara a situação de segurança de outra forma:

"É claro que é um perigo", disse Holzman. "Capacitores com vazamentos são um problema muito sério". Ele constatou que problemas nos capacitores podem fazer com que uma máquina se incendeie.

Ainda em 2008, quando Michael Dell retornou ao posto de presidente-executivo, em substituição de Rollins, a Dell continuava a distribuir memorandos internos com instruções sobre como enfrentar as consequências dos problemas com capacitores.

Os vendedores da Dell, de acordo com o processo, estavam preocupados com a possibilidade de que os diretores de tecnologia em empresas acostumadas a comprar máquinas da companhia tentassem "justificar seus postos" aconselhando as empresas sobre os problemas dos computadores Dell e recomendando que fossem substituídos por máquinas HP ou Lenovo.

Para combater essas persistentes impressões negativas, os vendedores da Dell foram instruídos a enfatizar que o modelo de venda direta do grupo permite identificar e resolver problemas mais rápido do que acontece com os concorrentes.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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