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Facebook mantém no ar páginas que pregam morte a políticos

15 ago 2015 - 17h56
(atualizado às 18h11)
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Após uma série de apelos do ex-presidente Lula, o Facebook mantém no ar páginas que pedem a morte do petista há pelo menos quatro meses. Ele não é o único político brasileiro alvo de páginas do tipo: grupos abertos cujos títulos pregam a morte de Dilma Rousseff e José Sarney também estão na rede.

As publicações geram controvérsia: quem defende a página "Morte ao Lula", que até o fechamento desta reportagem reunia 5,8 mil pessoas, alega liberdade de expressão e argumenta que se trata da "morte política" do ex-presidente.

Os críticos, de outro lado, dizem que postagens que mostram fotos do cadáver ensanguentado do líder líbio Muammar al-Gaddafi, junto à legenda "Final do Lula tem que ser assim", não têm nada de "simbólico".

As centenas de publicações do grupo mesclam os dois lados: conteúdos simbólicos e também literais relacionados à morte do ex-presidente. Nesta semana, como retaliação à existência da página, usuários decidiram criar a página "Morte a Zuckerberg".

A ideia não é promover um atentado contra o criador do Facebook, mas testar os critérios da rede e pressioná-la a excluir o grupo "Morte ao Lula".

Policiais avaliam danos à sede do Instituto Lula após ataque a bomba
Policiais avaliam danos à sede do Instituto Lula após ataque a bomba
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Procurado diversas vezes, o Facebook se recusou a comentar especificamente sobre a página contra o petista e não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem sobre o tema.

"Desenvolvemos um conjunto de padrões para manter nossa comunidade segura e levamos a segurança das pessoas a sério. Analisamos cuidadosamente as denúncias de linguagem ameaçadora para identificar potenciais danos à segurança pessoal e removemos ameaças reais de danos físicos a indivíduos", limitou-se a dizer a rede social, em nota.

Na falta de explicações mais objetivas, a BBC Brasil decidiu investigar as possíveis explicações atrás da recusa imediata à exclusão das páginas.

Está na lei

A principal é jurídica: segundo o Marco Civil da Internet, lei que regula o uso da rede no país, o Facebook não tem mesmo obrigação legal de retirar imediatamente o conteúdo do ar.

"O Facebook tem respaldo para se comportar assim", diz o professor Luiz Moncau, especialista em direito digital da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Para assegurar a liberdade de expressão, a plataforma só pode ser responsabilizada por danos de correntes de conteúdos postados por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar atitudes para tornar o conteúdo indisponível."

Novo grupo que pede morte de Zuckerberg surgiu como retaliação à existência da página contra Lula
Novo grupo que pede morte de Zuckerberg surgiu como retaliação à existência da página contra Lula
Foto: Divulgação/BBC Brasil

A regra existe para evitar que redes sociais ou blogs sejam obrigados a apagar conteúdos que simplesmente desagradem a alguém, mas não necessariamente representem crimes, o que configuraria censura.

Se a regra não vigorasse, por exemplo, um político teria direito de tirar do ar uma frase que lhe prejudicasse ─ e ela só poderia voltar ao ar após um processo na Justiça.

Há duas exceções: fotos de nudez reclamadas pelas próprias pessoas expostas e pedofilia devem ser excluídas, mesmo sem a ordem de um juíz. "Nestes casos, as imagens e fotos não são expressão, nem poderiam ser relativizadas. São registros de crimes", explica Thiago Tavares, criador da Safernet ─ entidade que atua no combate a crimes cibernéticos e um dos articuladores na criação do Marco Civil da Internet.

À BBC Brasil, porta-vozes do Instituto Lula disseram que estudam "medidas jurídicas" para retirar do ar o que consideram "ameaça a integridade física do ex-presidente".

A equipe de Lula diz ter entrado em contato com o Facebook duas vezes pedindo a retirada da página. O segundo pedido ocorreu logo após o lançamento de uma bomba de fabricação caseira na sede do instituto do ex-presidente, em São Paulo, no último dia 30. Sem sucesso, Lula fez um apelo em sua página no próprio Facebook ─ também sem resposta.

Morte X Morte

Em 2009, um homem foi preso nos Estados Unidos após dizer em uma sala de bate-papo no internet que tinha decidido "assassinar Barack Obama (...) pelo bem do país". Nas publicações presentes na página contra Lula, há diferentes modalidades de "morte".

"Quero ser o primeiro da fila para executar o que tenho direito", diz um dos membros da página que pede a morte do petista. "Eu quero participar do enterro desse político vagabundo, embusteiro, mentiroso", comentou outro.

De outro lado, um usuário chamou atenção dos demais: "Não gosto do Lula, quero vê-lo na cadeia, mas nunca desejaria a morte dele. Ele é um ser humano como outro qualquer e torço para que ele se arrependa do mal que fez ao país. Não é desejando a morte de uma pessoa que nos livraremos dela", disse. Como resposta, recebeu: "O que faz aqui, comunista f***?".

Há quem fique num macabro meio termo: "Nós brasileiros realmente queremos a morte dele ou, se possível, fazer seu sepultamento mesmo vivo (enterro político)".

Muitas postagens pregam não só a queda do presidente, mas também a quebra da ordem democrática, por meio de intervenção militar. "Precisamos da ajuda do Exército para nos livrarmos do mal", disse uma usuária.

"Militares são honestos e não roubam", disse outra. "Comunista tem que morrer de bala de fusil", completou um terceiro.

Segundo a lei brasileira, Facebook não tem obrigação legal de retirar o conteúdo do ar sem ordem judicial
Segundo a lei brasileira, Facebook não tem obrigação legal de retirar o conteúdo do ar sem ordem judicial
Foto: Divulgação/BBC Brasil

'Efeito colateral da lei'

Nos casos em que não ocorre processo judicial ─ como acontece até agora nas páginas que pregam a morte dos políticos ─, cabe ao próprio Facebook decidir se considera ou não os conteúdos ofensivos, de acordo com seus termos de uso.

E estas regras são bastante claras: assim como nudez e pornografia, ameaças, ataques a figuras públicas e "atividades criminosas" são expressamente proibidos, segundo o site. Seriam estes termos suficientes para o Facebook apagar as páginas que pregam a morte aos políticos?

Não. "Este é um caso muito difícil", diz Moncau, da FGV. "Esta página poderia ser enquadrada em apologia ao crime, um tipo penal bastante problemático. Mas o evento que convidava as pessoas para a Marcha da Maconha, por exemplo, foi considerado por alguns apologia ao consumo e ao tráfico", afirma. "Existe uma tensão muito grande entre liberdade de expressão e apologia ao crime."

"É preciso avaliar o contexto das postagens e ver são expressões literais ou força de expressão, 'tintas muito carregadas' para dizer o que poderia ser dito de outra forma", prossegue o advogado. Por isso, ele diz, a melhor pessoa para tomar uma decisão nestes casos não seria o usuário ou a rede social, mas um juiz.

Na avaliação de Tavares, da Safernet, a manutenção de páginas violentas seria um efeito colateral da lei, que preza pela autonomia dos usuários. "Sim, há efeitos colaterais, porque qualquer norma jurídica é incapaz de prever tudo. O legislador do marco civil precisou fazer escolhas e a que foi feita foi prestigiar a liberdade de expressão."

Segundo ele, o título "Morte ao Lula", independente do conteúdo das postagens, "é, seguramente, problemático".

US$ 1 por hora

Mas por que volta e meia surgem reclamações de que o Facebook apaga fotos de mães amamentando, ao mesmo tempo que mantém discursos considerados violentos?

A melhor resposta, segundo Tavares, apareceu em uma série de reportagens "bombásticas" que ganharam a mídia mundial (como os tradicionais britânicos e ) em 2012 ─ e nunca mais tiveram repercussão.

"Elas revelavam os bastidores da análise dos conteúdos postados no Facebook e marcados como impróprios pelos usuários. Segundo noticiado, o Facebook contrata pessoas em países muito pobres da Ásia, África e América Central, e pagam em torno de US$ 1 por hora para a revisão destas páginas."

De acordo com o especialista, "estes funcionários são terceirizados e trabalham em condições precárias", seguindo literalmente os parâmetros que estão nos termos de uso. Como os termos indicam que seios não podem aparecer na rede, fotos de mães amamentando acabam sendo excluídas. Como estes funcionários terceirizados, na maioria dos casos, não falam português, páginas que pregam ódio podem passar batidas.

Estes empregados, que segundo as reportagens trabalhariam em países como Bangladesh e Índia, teriam três opções ao avaliar os conteúdos denunciados: excluí-los, mantê-los no ar ou enviá-los para segunda análise ─ neste caso, mais gabaritada, feita por funcionários mais bem remunerados e com melhor formação.

"Esta é, portanto, uma política muito pouco sofisticada e passível de erros e inconsistências", diz Tavares.

Na época das denúncias, em nota, o Facebook reconheceu que contrata "funcionários terceirizados que fornecem classificações preliminares de uma pequena proporção do conteúdo reportado como inadequado". A rede também informou que estes funcionários são "sujeitos a controles de qualidade rigorosos" e que os conteúdos mais graves são "encaminhados internamente" e "sujeitos a auditorias internas".

A BBC Brasil voltou a questionar a rede social sobre estas denúncias, mas novamente recebeu uma resposta genérica. Leia a nota:

"Analisamos cuidadosamente as denúncias de linguagem ameaçadora para identificar potenciais danos à segurança pessoal, e removemos ameaças reais de danos físicos a indivíduos. O Facebook trabalha incansavelmente para manter sua comunidade de mais de 1,5 bilhão de pessoas segura. Desenvolvemos uma série de padrões da comunidade para determinar o que é permitido ou não na plataforma. Nosso time trabalha 24 horas por dia analisando conteúdos denunciados pela comunidade e toma as ações necessárias quando algo viola nossos padrões. Esses times incluem profissionais de língua portuguesa”.

Facebook constrói drone para levar internet a áreas remotas:
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